O ANTICRISTO
(por Domingos Oliveira Medeiros)
 

Fala-se dele. Alguns nem ao menos acreditam que ele exista. Outros são a sua própria semelhança. Mas o mistério sobre a figura do anticristo persiste, a despeito de haver várias citações sérias a respeito. No seu livro “O anticristo: mito ou profecia”, Michele Dolz e Paulo Franciulli reúne uma série de curiosas e interessantes citações a respeito dessa figura tão macabra. A primeira citação faz referência a um dos afrescos da capela de San Brizio, na catedral de Orvieto, datado de 1504, de autoria de Luca Signorelli, representando em sete cenas o fim do mundo.

O ponto central da composição é a figura de um pregador. Assemelha-se à imagem amplamente divulgada de Cristo. No quadro, Cristo aparece dando ouvidos a Satanás, que se encontra às suas costas, sussurrando alguma coisa ao seu ouvido. No plano de fundo, “realizam-se milagres de sabor evangélico, como a cura de um doente e algo que parece representar uma pseudo-eucaristia”. Mais à esquerda do quadro vê-se um anjo que lança do alto um personagem de belas vestes, lembrando as palavras do Apocalipse: “Foi expulso o dragão grande , a antiga serpente, chamada Diabo e Satanás, que seduz o mundo todo, e foi precipitado sobre a terra.”

Mais adiante, a referência nos dá conta da obra do escritor russo, Vladimir Soloviev, “Breve relato sobre o anticristo”, de 1900. Na obra , segundo os autores do livro que me serve de referencial, o escritor russo teria imaginado um futuro distante, o século XXI, onde a paz seria uma realidade, mas que um “difuso materialismo se terá apoderado das consciências e da cultura”. E poucos serão os que iriam aceitar as realidades espirituais. E eis que surgirá um homem dotado de qualidades excepcionais. “A sua viva inteligência sempre lhe havia mostrado a verdade dAquele em que se deve crer: o bem, Deus, o Messias”. E este homem, com tantos dotes, acabará por galgar todos os cargos importantes do homem do futuro. Será coroado imperador do mundo. Mas, no fundo, trata-se de um apóstata; “e não tardará a perceber que é guiado no íntimo por uma voz diabólica”.

O livro de Daniel, supostamente escrito no Século II antes de cristo, anuncia “a chegada de um inimigo vil, sem nenhuma dignidade real e que se proclamará Deus”. E há muitas citações a respeito, atribuídas ao próprio Cristo, como a seguir expostas:

“Olhai que não vos deixeis enganar, porque muitos virão em meu nome, dizendo (sou eu), e o tempo está próximo”. “Não os sigais. Quando ouvirdes falar de guerras e de revoltas, não vos aterreis”. “Quando virdes Jerusalém cercada pelos exércitos, entendei que se aproxima a sua desolação”. “Então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes, os que estiverem no meio da cidade retirem-se, quem estiver nos campos não entre nela, porque dias de vingança serão esses, para que se cumpra tudo o que está escrito”. Ora o Senhor fala do fim do antigo Israel, ora das perseguições à Igreja, ora do fim dos tempos.

O Novo Testamento também é lembrado pelos autores fazendo referência ao anticristo: “A vinda (do iníquo) será acompanhada do poder de Satanás, de todo o gênero de milagres, sinais e prodígios enganadores, e de seduções de iniqüidade para os destinados à perdição, por não haverem acolhido o amor à verdade que os salvaria. Por isso Deus lhe enviará um poder enganoso para que creiam na mentira, e sejam condenados todos os que, não crendo na verdade, se comprazem no o mal”.

É esse o retrato da figura demoníaca, que é definida como o verdadeiramente mau, capaz de incentivar e promover a deserção da fé, que deve preceder ao final dos tempos, segundo os textos bíblicos. Ele é a personificação da maldade humana. Mas, para nosso alívio, há fortes indícios, na própria história da humanidade, de que os anticristos e as suas falsas igrejas não vingarão, a despeito de, antes, causarem muito sofrimento e muita dor. Como disse Marx: “A eternidade não é outra coisa que uma imensa dor”. E os autores do livro concluem: “O mais doloroso para quem se revolta contra Deus não é o sofrimento físico, mas o desespero gélido e sem saída. A vida torna-se realmente essa ‘paixão’ inútil de que falava Sartre, e que o poeta Theodor Fontane pintou sentidamente: - Pouco a pouco, sem que nada o impeça, estreita-se o horizonte da vida, dissipando jactância e vaidade. A esperança, e o ódio, e o amor se esfumam, sem deixar do seu fulgor mais que um ponto final de obscuridade”. Mas por que tem de ser assim? Só teremos a resposta no fim da outra vida. Enquanto isso, resta-nos assimilar a lógica divina de Cristo: tomemos a nossa cruz e o sigamos. Sem descuidar do nosso dia a dia. De observar em volta. Onde estarão os anticristos? É até fácil descobrir. E evitá-los. Vejamos.

O diabo tem vários rostos. Geralmente formosos. Expressando ternura, compreensão e inspirando segurança. Ele é muito astuto. E muito inteligente. Veste-se bem. É perfumado. Não fala de sofrimento e de dores. Só fala de alegrias. De coisas “prá frente”. É cheio de charme. Está sempre na moda. Bons sapatos e bons relógios.

O diabo tem várias profissões. Pode ser um juiz de direito. Um juiz de futebol. Cartola da CBF. Pode ser um padre. Pedófilo ou não. Ou um médico famoso. Pode ser um grande empresário da construção civil. Tem muitos que são banqueiros. Muitos preferem a política. São governadores, deputados, senadores, vereadores, prefeitos e até presidentes. Tanto de nações em desenvolvimento como de grandes potências.

Servidores públicos de alto escalão tem aos montes. Na polícia, civil e militar, coronel, secretário de justiça, enfim. O diabo ocupa quase todos os cargos importantes de um país. Mas ele parece ter uma preferência por ser ministro responsável pela área econômica. Tudo indica que nesse cargo ele tem maior facilidade para fazer o mal à um grande número de pessoas ao mesmo tempo, com um mínimo de esforço.

E tem os diabos assumidos. Que não deram certo na vida e, por isso, resolveram assumir sua condição de seqüestradores, de traficantes de drogas, de contrabandistas de armas, de sonegadores da previdência social, do fisco, de pedófilos e de assassinos de modo geral, como os terroristas e alguns antiterroristas.

Mas, quando é preciso, o diabo se transforma em quase tudo. Em mendigo, por exemplo, para pedir esmolas e zombar da caridade alheia. Em candidato à presidência da república, só para não perder o hábito de mentir, de prometer o que não irá cumprir. Só para enganar a população.

Mas o diabo gosta de se passar por mulher. Pode ser loura, morena, negra, mulata, mineira, paulista, carioca, gaúcha, nortistas, nordestina, do centro-oeste, lá da esquina, japonesa, chinesa, não importa. Tem, apenas, que ser muito bonita. Muito gostosa. Muito charmosa. Muito poderosa. Muito sorridente. Com tudo em cima. Seios, pernas, coxas, quadris, cabelos, lábios, boca, mãos, pés, pescoço, bumbum, joelhos, orelhas e, ainda, muito cheirosa, muito mimosa, muito sedutora, muito rebolativa, muito carente, muito “caliente”.

E, finalmente, tem o diabo arrogante. Que não esconde seus objetivos. E os meios para alcançá-los. O diabo pedante. O diabo de gente. Que promove as guerras. São os diabos divergentes. Indiferentes aos gritos, aflitos, de toda a gente. O diabo consciente.

 

Domingos Oliveira Medeiros
Atual. Em 24 de fevereiro de 2003

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