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21/02/2010
Planos de saúde
Impagável
Operadoras se negam a buscar
vagas para dependentes químicos, mesmo com resolução da ANS. Famílias estão
sendo obrigadas a vender todo o patrimônio para bancar o tratamento
Cristina
Horta/EM/D. A Press
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R. abraçado pelos
pais, em frente à clínica onde está sendo tratado: carro já foi
vendido e próximo passo agora é se desfazer do apartamento da
família, na Região Oeste de BH |
Tratar a dependência química não é mais uma
decisão apenas do paciente, mas do quanto o orçamento doméstico é capaz de
pagar. O tratamento, que pode custar mais de R$ 10 mil por mês nos centros
especializados, consome não só o amor das famílias, mas as economias de
vários anos, a paz e, em alguns casos, o patrimônio. Mesmo assim, o esforço
de pais, avós e parentes costuma não ser suficiente para arcar com a conta
do hospital. O peso deveria ser dividido com os planos de saúde, mas a
cobertura para o tratamento ainda não é uma realidade ampla, apesar de ser
garantida pelas normas do setor. O mais grave, contudo, é que a defasagem
entre a pequena oferta das empresas frente à escalada da dependência química
está transferindo a delicada decisão para a Justiça.
A dependência química é uma doença social descrita pela Organização Mundial
de Saúde (OMS), com números que assustam o mundo. No país, estima-se que 11%
da população tenham envolvimento com álcool e outras drogas. De acordo com a
regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a internação,
sem limite de tempo, é um direito de quem contratou um plano de saúde, desde
que seja uma prescrição médica. Mas, na realidade, quando o tratamento não é
feito na rede pública, ele acaba sendo bancado pelo orçamento doméstico. Os
motivos variam desde a ausência de vagas na rede de tratamento conveniada
até a baixa adesão dos planos aos convênios com centros de tratamento a
médio prazo.
Um dia depois de descobrir que o filho adolescente R. havia se tornado
usuário de cocaína, droga que, junto com colegas entre 13 e 16 anos
descobriu na escola particular, Silvia (*) e o marido João deram início à
fase mais difícil de suas vidas. Os dias se transformaram em uma batalha
para salvar o filho, e agora a família se prepara para discutir, na Justiça,
o direito à cobertura médica. R. é um garoto de classe média, que tem plano
de saúde. Ele engrossa as estatísticas que apontam o crescimento do
envolvimento de adolescentes com substâncias lícitas e ilícitas. Segundo os
últimos dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid),
23,5% dos jovens entre 12 e 17 anos já experimentaram algum tipo de droga.
Aos 16 anos, o menino charmoso de sorriso manso tornou-se agressivo em casa,
até mesmo com o pequeno L., o irmão de 8 anos. Quando sem controle e
transtornado, avançou contra os pais com o propósito de agredi-los. Só foi
contido em uma ação policial. Por determinação médica, e também como uma
medida judicial de proteção, prevista no Estatuto da Criança e do
Adolescente, o menino deveria ser imediatamente internado, já que, naquele
momento de surto, representava uma ameaça para si mesmo e para terceiros.
Apesar de a indicação médica e da Justiça, a vaga não foi liberada pelo
plano de saúde. “Assim que descobrimos que nosso filho havia se envolvido
com drogas, tentamos o tratamento ambulatorial e uma internação rápida, que
não deu resultado. Ficamos desesperados. R. fugiu de uma clínica, ficou
perdido por vários dias. Quando reapareceu, tornou-se extremamente agressivo
em casa, e a Justiça determinou: ou a internação ou a cadeia”, conta,
emocionada, a mãe do adolescente.
Como a família já havia vendido o carro, instrumento de trabalho do pai do
garoto, para pagar a primeira internação de desintoxicação, decidiram
acionar a Unimed-BH. “Foi aí que começou o nosso desespero. Precisamos
internar R. com urgência e o plano, em um primeiro momento, disse que não
tinha nenhum hospital credenciado”, lembra a mãe.
Depois de uma semana, a conversa avançou e a Unimed-BH ofereceu uma carta
com a opção de duas instituições: o Hospital André Luiz e a Clínica Pinel,
ambos para tratamento psiquiátrico. “Acontece que os dois hospitais se
negaram a internar o meu filho, por ele ser menor. A Pinel, além de não
trabalhar com crianças e adolescentes, também não interna involuntários,
como era o nosso caso”, diz a mãe. O primeiro hospital entregou aos pais uma
carta explicando a negativa de atendimento. A reportagem do Estado de Minas
entrou em contato com a Pinel e recebeu a confirmação de que a instituição,
de fato, não trabalha com menores.
(*) Os nomes dos personagens foram trocados para preservar a identidade das
fontes
Investimentos
são insuficientes
Especialistas garantem que,
apesar dos altos custos, políticas de prevenção simples poderiam ser
adotadas
Cristina
Horta/EM/D. A Press
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Parentes se unem em torno do dependente: tratamento básico |
O investimento em prevenção é apontado por especialistas
como a saída para conter a escalada dos números da dependência química no
país. No entanto, segundo estudo realizado pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), as características dos tratamentos que envolvem a saúde
mental ainda são pouco conhecidas pelas operadoras. Apenas 37% das empresas
mantinham equipes multidisciplinares, consideradas essenciais, e somente 8%
ofereciam programas voltados para o acompanhamento dos egressos de
internações, evitando as recaídas.
Em 2009, o governo brasileiro investiu R$ 1,4 bilhão para financiar, além do
tratamento da dependência química, programas de saúde mental. Já a saúde
suplementar não tem uma conta fechada de seus investimentos. Especialistas
consideram os recursos insuficientes e apontam que a deficiência do sistema
atinge mais gravemente a dependência em drogas pesadas, como a cocaína e o
crack, que necessitam de internação e tratamento prolongado, com custos
elevados e acompanhamento dos egressos.
Como resultado da política de desospitalização adotada no país, o número de
internações para o tratamento de dependência de álcool e maconha vem caindo
sistematicamente. Ao mesmo tempo, entre 2001 e 2008, as internações por
cocaína e crack deram um salto surpreendente, crescendo 225%, segundo dados
do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid), o que aponta para
a maior gravidade desses casos, nos quais a internação se torna
indispensável.
M.S. e V. são aposentados. Ele é um ex-executivo de uma multinacional e ela
ex-coordenadora de uma escola particular. Quando descobriram o envolvimento
de um dos nove filhos com cocaína, levaram algum tempo para conseguir
internar L.M. Apesar de o casal ter plano de saúde, em nenhum momento eles
lamentaram que o filho, já casado, estivesse fora da cobertura. “Os planos
não pagam esse tipo de tratamento. É longo e caro. Procuramos nos informar,
mas as cláusulas excludentes são muitas”, diz M. Com as economias, eles
arcaram com a internação de R$ 8 mil mês, durante cinco meses.
Professor dos cursos de pós-graduação em psicofarmacologia da Universidade
Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), Elisaldo Carlini é também diretor
do Cebrid. Em sua opinião, tratar a dependência química é caro e os recursos
são pequenos. “Por isso é preciso investir em prevenção”, afirma. Ele aponta
que o papel da família é decisivo. Pesquisas mostram que adolescentes que
participam de refeições com familiares pelo menos uma vez por dia usam menos
drogas.
A partir de junho, o número de consultas com psicólogos subirá na rede
suplementar para 40 procedimentos ao ano. O tratamento em hospital-dia
também se tornará ilimitado. A ampliação da cobertura, no entanto, não
atinge o paciente em estado grave, que muitas vezes é internado de forma
involuntária, já que não prevê uma ampliação do número de leitos. A oferta
dos planos de saúde para o tratamento da dependência química mostra
defasagem em relação à realidade, aponta o psiquiatra Aloísio Andrade,
presidente do Conselho estadual de Políticas sobre Drogas. O subsecretário
Antidrogas de Minas Gerais, Clóvis Benevides, diz que existe no país um
atraso histórico de políticas para o setor
"O setor privado terá que investir em prevenção"
O psiquiatra e presidente da
Associação Brasileira do Estudo do Álcool e outras Drogas (Abead), Carlos
Salgado, defende uma reestruturação no setor.
Como os planos de saúde têm atendido à
demanda para o tratamento da dependência química?
Em linhas gerais, o seguro de
saúde tem de dar cobertura para o tratamento, mas os usuários têm sido
atendidos de forma insuficiente. O que quero dizer é que o tamanho da
demanda é bem maior que o sistema consegue absorver. Existe também o
fenômeno da redução de leitos hospitalares, que tem empurrado os pacientes
para o tratamento ambulatorial. Mas, em muitos casos, especialmente na
dependência envolvendo cocaína e crack, a necessidade da internação é
indiscutível. É preciso conter e proteger a pessoa. Os valores do tratamento
podem variar de R$ 500 por mês até R$ 500 por dia. A dependência química
pode desorganizar uma família, assim como um câncer.
O alto custo pode ser a razão de a oferta de hospitais ser menor que a
demanda dos pacientes?
Sim. No caso de doenças cardíacas, por exemplo, a internação é mais rápida e
todos os exames são feitos em um curto espaço de tempo. Em unidades
psiquiátricas, o período de hotelaria é longo, os exames e medicamentos
ocorrem em um tempo maior, e isso torna o tratamento mais caro. Por outro
lado, quando o paciente não é tratado de forma adequada, as internações
podem se repetir a curto prazo, aumentando os custos.
Como essa rede de atendimento pode crescer?
Os planos de saúde têm dificuldades de se associar às comunidades
terapêuticas, que oferecem o tratamento para a dependência química, muitas
vezes com custos menores. No entanto, a partir do momento que essas
instituições forem se aparelhando, deve haver uma pressão e os planos terão
de se associar, ampliando a rede que ofertam hoje.
Hoje essa rede é insuficiente?
Sim, bastante. Tratar o dependente químico pode não ser interessante
economicamente, mas os planos terão que lidar com essa realidade. Uma opção
é operar em parceria com o poder público. O setor privado também terá de
investir pesadamente em prevenção. A política de operação da saúde
suplementar também está mudando, não está tão restritiva quanto antes. Penso
que com a ampliação da cobertura, os seguros de saúde terão que se habituar
a um negócio menos lucrativo. A dependência química deve ser reconhecida e
tratada como uma doença sem juízo de valor. (MC)
Os dramas de famílias não são casos
solitários. O psiquiatra e diretor da Clínica Novos Rumos, localizada em
Betim, especializada no tratamento da dependência química, Bruno Costa, diz
que a grande maioria dos pacientes de centros que dirige são de famílias de
classe A e B. A clínica mantém convênio com três planos de saúde de
autogestão: Forluz, Vale do Rio Doce e Justiça Federal. “A demanda reprimida
pelo tratamento da dependência química é tão grande no país que, se
tivéssemos convênio com uma grande operadora, certamente teríamos que
construir mais um espaço para atendimento. Somos pouco demandados pelos
planos”, afirma.
Especializado no tratamento da dependência química, Costa explica que o
grande gargalo é mesmo financeiro. “Não dá para tratar um dependente químico
em grau avançado em 10 dias. A recuperação leva em média seis meses, mas
pode se prolongar. O desembolso a longo prazo assusta os planos de saúde”,
comenta o médico. Por outro lado, ele diz que é comum pacientes
interromperem o tratamento por falta de recursos das famílias.
A ANS explica que o tratamento para dependência química está previsto no rol
de procedimentos e será ampliado a partir de junho. “A cobertura já foi bem
pior. Os planos antigos excluíam a saúde mental”, comenta Marta Oliveira,
gerente da agência. Segundo ela, em casos de não haver vaga na rede
conveniada, o plano de saúde deve disponibilizar um leito de urgência fora
de sua rede.
R. foi internado em um centro especializado ao custo de R$ 7,5 mil mensais
na enfermaria, sem a autorização do plano de saúde. “Insistimos, mas eles
não liberaram uma vaga. Na rede pública, também não conseguimos. Nosso filho
piorava, tínhamos uma ordem judicial, um pedido médico e terminamos por
interná-lo em uma clínica particular”, explica a mãe. Depois de seis meses
sem usar cocaína, está construindo novos projetos de vida e se prepara para
ter alta, mas as negociações com o plano de saúde não avançaram e a família
está entrando na Justiça para tentar obter o reembolso. Em nota, a Unimed-BH
ressaltou que “a cobertura de situações de dependência química e transtornos
psiquiátricos é feita seguindo o que determina o rol de procedimentos da ANS”.
A família já vendeu o automóvel, fez empréstimos e cortou despesas. O
apartamento onde vivem, na Região Oeste de BH, também está à venda. (MC)
(Estado de Minas, 21/02/2010, caderno Economia, pág.
12).
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