SEM DEUS, TUDO É PERMITIDO?

 

0Se Deus não existe, tudo é permitido?
Posted: 26 Jan 2011 03:45 AM PST

Segundo Iván Fiodorovitch Karamázov, sim. A moralidade da religião cristã se baseia na negação da vida e no medo. E o ponto nodal nessa intersecção é a imortalidade.  A aceitação da existência, ou melhor, a necessidade primaz da existência de um ser onipresente e onisciente ilustra o tom panóptico necessário a qualquer sistema de controle. Sim, a religião cristã é um sistema de controle. Tal qual as torres centrais da composição arquitetônica de Jeremy Bentham, estudadas por Foucault em Vigiar e Punir, a figura de um Deus que “tudo vê, e tudo sabe” visa tolher ao homem suas escolhas. Há vigilância e punição, dizem os pregadores. Esses poderes são destinados a adestrar as pessoas para que essas cumpram normas, leis e exercícios de acordo com a vontade de quem detêm o poder. No caso da religião, Deus.

No romance “Os Irmão Karamázov” (1881), síntese de sua obra, Dostoiévski investiga, além do parrícidio e da conturbada relação entre três irmãos e seu pai, a questão da moralidade imposta pela religião cristã. Para isso, faz uso de Iván. Este, em um artigo que acabara de publicar, expressa em tom solene…

que em toda a face da Terra não existe terminantemente nada que obrigue os homens a amarem seus semelhantes, que essa lei da natureza, que reza o homem ame a humanidade, não existe em absoluto e que, se até hoje existiu amor na Terra, este não se deveu à lei natural mas tão-só ao fato de que os homens acreditavam na própria imortalidade […] destruindo-se nos homens a fé em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também toda e qualquer força para que continue a vida no mundo […] não haverá mais amor, tudo será permitido, até a antoprofagia […] concluiu afirmando que, para cada indivíduo particular, por exemplo, como nós aqui, que não acredita em Deus nem na própria imortalidade, a lei moral da natureza deve ser imediatamente convertida no oposto total da lei religiosa anterior.

Mais tarde, seguindo o mesmo raciocínio, ele afirma que…

quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era virá), então cairá por si só, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começara o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito.

Essas ideias, principalmente a do homem-deus, são recorrentes na literatura e têm sua gênese em Sade. Porém, infelizmente, no cotidiano, elas são eclipsadas pela passividade e pela aceitação de que não se pode manter relações sexuais antes do casamento, ou não contribuir com o dizímo, pois isso acarretará castigos eternos. (Mas a pedofilia tá liberada, galera. Para os padres, claro.) Esse é o trunfo do controle religioso: a punição é eterna. Há uma vida que não é esta mundana, uma vida plena: a vida do eternamente bom e do eternamente belo de Platão, e o que acontecerá naquela vida depende intrínsicamente do que se faz, ou não, nesta. Se diz não a esta vida, para ser na outra. E o medo esta aí. Por ser eterna, o castigo é infindável — lembrem de Sísifo.

O Deus onipresente é um protótipo do panoptismo, talvez o maior e mais eficaz. Libertar-se dos grilhões dessa vigilância é, talvez, o maior desafio. Dizer sim à vida, não se regozijar com os vetos, não se comprazer com a mediocridade. Se Deus não existe, o homem é dono de si, do seu destino, da sua vida. Vida finita, una e que não se repete. Mas que nem por isso deixa de ter um sentido, o de viver. Viver aqui e agora, para aqui e para agora.
(Fonte: Ateus do Brasil)
 

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