MARCHA DA MACONHA -
APOLOGIA AO CRIME?
Liberar marcha é apologia ao crime e
pode influenciar crianças, diz juiz
MARIA MATHEUS E DANIELLA ARRUDA 17/06/2011 07h22
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar passeatas pela
descriminalização do uso de maconha é considerada por alguns um passo para a
liberação da droga; por outros, uma garantia da livre manifestação do pensamento
e uma chance para a sociedade discutir o tema. Na noite de quarta-feira, os
ministros do STF colocaram fim ao uso de força policial para reprimir as
“marchas da maconha”, mas não acabaram com a polêmica. Pelo contrário, a decisão
foi como lenha a incendiar as discussões sobre o tema.
Na opinião do juiz Danilo Burin, titular da Vara de Infância e Juventude de
Campo Grande, os ministros do STF deram um passo rumo à liberação do uso da
droga no País. “E mais: será através do STF que isso irá acontecer”, prevê.
Na interpretação do magistrado, as passeatas pela liberação da droga são
apologia ao uso. “Imagina se houvesse uma passeata pública em favor do homicídio
ou do assalto. O Tribunal iria permitir?”, questiona. “Garanto que se alguém
tentasse realizar uma passeata fazendo propaganda do homicídio e do assalto, o
Supremo não iria aceitar, embora fosse uma manifestação do pensamento, garantida
na Constituição”, compara.
Ele considera o uso de drogas um sério problema de saúde pública e acredita que
as marchas da maconha podem influenciar crianças e adolescentes a aderir ao
vício. “Dizem que o cigarro é pior que a maconha, mas eu não acredito. Vejo os
meninos que chegam aqui (na Vara de Infância e Juventude) e nunca o cigarro
deixa a pessoa naquele estado. É impressionante como essa droga os deixa bobos”.
O presidente do Conselho Estadual Antidrogas (Cead) e promotor de Justiça da
Infância e Juventude, Sérgio Harfouche, considerou que a decisão do STF está de
acordo com outras proferidas pela própria Corte, “a título de uma modernidade
que destrói gerações”. “Com a projeção internacional do uso da maconha, o Brasil
está na contramão da vida”.
O prefeito de Campo Grande Nelsinho Trad (PMDB) também considera passeata em
favor da descriminalização da maconha apologia ao uso da droga. “Não tenho
preconceito, mas penso que qualquer feito para incentivar o uso de drogas e
entorpecentes não deve ser bem-visto”.
Favoráveis
Os desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul Rui Celso
Barbosa Florence e Romero Osme Dias Lopes apoiam a decisão do STF. Eles
argumentam que, independentemente de ser liberado o uso da maconha, a sociedade
precisa discutir o tema. Por isso, o Estado não deve reprimir as marchas.
“A sociedade deve decidir o que é bom ou ruim para ela. Se isso fica a critério
de algumas pessoas, por mais boa vontade que tenham, elas correm o risco de não
atender àquela sociedade naquele momento histórico”, disse Rui Celso.
Ele discorda que as marchas da maconha sejam apologia ao crime. “Até porque o
uso em si da maconha não é crime. Além disso, a maconha pode ser usada, por
exemplo, como remédio ou para a fabricação de roupas”, declarou. “É um
preconceito achar que discutir o assunto é apologia ao crime. Apologia ao crime
seria incentivar o tráfico”.
Na avaliação do magistrado, a permissão às passeatas pode ser interpretada como
um passo para a liberação do uso da droga. No entanto, cabe ao Legislativo, e
não ao Judiciário, essa decisão. “O que o Judiciário pode é dar uma
interpretação mais liberal: interpretar que o simples transporte de pequenas
quantias de maconha não é crime e aplicar penas menores para maconha que para
outras drogas mais pesadas, por exemplo”.
Para o desembargador Romero Osme, as “marchas da maconha” não fazem apologia da
droga. “Eles querem que descriminalize uma uma conduta que hoje é criminalizada.
O adultério, por exemplo, era criminalizado e hoje já não é mais crime, assim
como a sedução. Era crime, por exemplo, seduzir uma mulher prometendo
casamento”, compara.
O desembargador Dorival Moreira dos Santos concorda com a fundamentação do
ministro Celso Melo, relator da matéria no Supremo Tribunal Federal, em defender
as marchas da maconha, assegurando a livre manifestação do pensamento. Porém,
ele teme que esse tipo de manifestação possa despertar nos jovens o interesse
pelo consumo da droga. “A possibilidade de descriminalização da maconha é um
tema que me preocupa, pelos efeitos nocivos que pode trazer à sociedade como um
todo”.
Opinião semelhante tem o senador Waldemir Moka (PMDB), integrante da subcomissão
temporária de Políticas Sociais sobre Dependentes Químicos de Álcool, Crack e
outras Drogas do Senado. “Tenho que respeitar o direito à liberdade de
expressão. Mas não sei se isso não é um equívoco. Se estimula a marcha, daqui a
pouco não se tem controle disso”, ressalva, explicando que essas manifestações
podem incentivar os jovens a aderir ao vício.
“A maconha é porta de entrada para outras drogas. Um País que não consegue nem
fiscalizar a questão de bebida para menores, como fará isso em relação à
maconha? Pode gerar um consumo muito maior e o prejuízo será muito grande para a
sociedade”, alerta.
Decisão
Os oito ministros do STF presentes na sessão de quarta-feira aprovaram por
unanimidade o voto do relator da matéria, Celso de Mello. Ele argumentou que a
pretensão do Estado de reprimir a liberdade de expressão é nociva e perigosa. “O
pensamento há de ser livre, sempre livre, permanentemente livre, essencialmente
livre”. No entanto, destacou que as marchas não poderiam se transformar em
encontros para o consumo de drogas. (MM)