MACONHA É MAIS NOCIVA DO QUE SE IMAGINAVA
16/11/2012, às 19:45
Maconha faz mal, sim. Quem afirma é a Medicina
Reportagem de Adriana Dias Lopes, publicada na edição impressa de VEJA
MACONHA FAZ MAL, SIM
O atual liberalismo em torno do
consumo da droga está em descompasso com as pesquisas médicas mais recentes.
As sequelas cerebrais são duradouras, sobretudo quando o uso se dá na adolescência.
Hoje ainda, até o fim do dia, 1 milhão de brasileiros terão fumado maconha. A
maioria dessas pessoas está plenamente convencida de que a droga não faz mal.
Elas conseguem trabalhar, estudar, namorar, dirigir, ler um livro, cuidar dos
filhos…
A folha seca e as flores de Cannabis são consumidas agora com uma naturalidade
tal que nem parece ser um comportamento definido como crime pela lei penal
brasileira. O aroma penetrante inconfundível permeia o ar nas baladas, nas áreas
de lazer dos condomínios fechados, nos carros, nas imediações das escolas.
A maconha, que em outros tempos já foi chamada de “erva maldita”, agora ganhou
uma aura inocente de produto orgânico e muitos de seus usuários acendem os
“baseados” como se isso fosse parte de um ritual de comunhão com a natureza, uma
militância espiritual de sintonia com o cosmo.
Tolerância cada vez maior com o consumo
Há uma gigantesca onda de tolerância com esse vício. Nos Estados Unidos,
dezessete Estados já regulamentaram seu uso medicinal. No dia 6 passado, os
Estados de Washington e Colorado realizaram plebiscitos sobre a legalização e o
eleitorado aprovou. No Uruguai, o presidente José Mujica pretende estatizar a
produção e a distribuição da droga.
Em maio deste ano, no Brasil, sob o argumento do direito à liberdade de
expressão, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a marcha da maconha – desde,
é claro, que ela não fosse consumida pelos manifestantes.
Em um de seus shows, em janeiro, Rita Lee causou tumulto ao interromper a
apresentação em Sergipe para interpelar os policiais que tentavam reprimir o
fumacê na plateia: “Este show é meu. Não é de vocês. Por que isso? Não pode ser
por causa de um baseadinho. Cadê um baseadinho pra eu fumar aqui?”.
Na contramão da liberalidade oficial, legal e até social com o uso da maconha,
a
ciência médica vem produzindo provas cada dia mais eloquentes de que a fumaça da
maconha faz muito mal para a saúde do usuário crônico – quem fuma no mínimo um
cigarro por semana durante um ano.
Não faz menos mal do que álcool ou cigarro
Fumar na adolescência, então, é um hábito que pode ter consequências funestas
para o resto da vida da pessoa. Aqueles cartazes das marchas que afirmam que
“maconha faz menos mal do que álcool e cigarro” são fruto de percepções
disseminadas por usuários, e não o resultado de pesquisas científicas
incontrastáveis.
Maconha não faz menos mal do que álcool ou cigarro. Cada um desses vícios agride
o organismo a sua maneira, mas, ao contrário do que ocorre com a maconha,
ninguém sai em passeata defendendo o alcoolismo ou o tabagismo.
Diz um dos mais respeitados estudiosos do assunto, o psiquiatra Ronaldo
Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo: “Encarar o uso da maconha com
leniência é uma tese equivocada, arcaica e perigosa”.
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Alguns dos argumentos para a
legalização da maconha têm uma lógica perfeita apenas na aparência. Os
defensores da legalização alegam que, vendida legalmente, a maconha também seria
cultivada dentro da lei e industrializada. A oferta aumentaria e os preços
cairiam. Isso tornaria inúteis os traficantes. Eles sumiriam do mapa, levando
consigo todo o imenso colar de roubos, assassinatos e corrupção policial que a
repressão à maconha provoca.
Estudo acompanhou 1.000 voluntários por 25 anos
O argumento não resiste ao mais simples teste de realidade embutido na pergunta:
“Quem disse que traficante vende só maconha?”. Se a maconha fosse liberada, o
tráfico de cocaína, heroína e crack continuaria e todos os problemas sociais
decorrentes do poder desse submundo ficariam intactos. Acrescente-se à equação o
fato de que a maconha efetivamente faz mal à saúde, e a lógica dos defensores de
sua legalização evapora-se no ar ainda mais rapidamente.
Um dos estudos mais impactantes e recentes sobre os males da maconha foi
conduzido por treze reputadas instituições de pesquisa, entre elas as
universidade Duke, nos Estados Unidos, e de Otago, na Nova Zelândia. Os
pesquisadores acompanharam 1.000 voluntários durante 25 anos. Eles começaram a
ser estudados aos 13 anos de idade.
PORTA DE ENTRADA PARA OUTRAS DROGAS -- "Fumei meu primeiro cigarro de maconha
aos 19 anos, com um primo, por curiosidade juvenil. De imediato, senti um
profundo relaxamento. Eu, que sempre fui muito agitada, adorei a sensação.
Passei a fumar com frequência. Aos poucos, a maconha foi invadindo a minha
existência. Eu vivia letárgica, mas achava tudo absolutamente normal. A maconha
foi a porta de entrada para outras drogas. A certa altura, quis experimentar uma
sensação mais forte. A maconha havia perdido a graça. Aos 27 anos, cheirei
cocaína. Aos 35, mudei para o crack. Virei um rato. Passei por três internações
e me salvei. Estou há onze anos sem usar drogas.", Vládia Ofenheim, 52 anos,
comerciante (Foto: Alexandre Scheneider)
Queda no desempenho intelectual, na memória, na concentração
Um grupo era composto de fumantes regulares de maconha. Os integrantes do outro
grupo não fumavam. Quando os grupos foram comparados, ficou evidente o dano à
saúde dos adolescentes usuários de maconha que mantiveram o hábito até a idade
adulta. Os fumantes tiveram uma queda significativa no desempenho intelectual.
Na média, os consumidores crônicos de maconha ficavam 8 pontos abaixo dos não
fumantes nos testes de Q.I. Os usuários de maconha saíram-se mal também nos
testes de memória, concentração e raciocínio rápido.
Os resultados mostram que é falaciosa a tese de que fumar maconha com frequência
não compromete a cognição. Diz o psiquiatra Laranjeira: “Se o usuário crônico
acha que está bem, a ciência mostra que ele poderia estar muito melhor sem a
droga. A maconha priva a pessoa de atingir todo o potencial de sua capacidade”.
O cineasta paulistano Álvaro Zunckeller, de 32 anos, fumou maconha durante duas
décadas, desde a adolescência, com os amigos, na roda do bar e na saída da
escola. No início, era um cigarro a cada duas semanas. Chegou a três por dia.
“Era um viciado, mas para a maioria das pessoas eu era um sujeito sossegado,
apenas um pouco desatento”, conta ele.
Zunckeller é um caso típico da brasa dormida dos danos da maconha ao cérebro
confundidos com um comportamento ameno e um estilo de vida mais contemplativo.
UMA VIDA NORMAL NA APARÊNCIA -- "Fumei maconha durante vinte anos. Experimentei
na adolescência e adorei.
Em três anos, passei de um cigarro a cada duas semanas
para três baseados por dia. Foram vinte anos de perdas. Perdi um emprego, perdi
duas namoradas e me formei com dez anos de atraso. Na faculdade, só pensava na
hora de ir para o barzinho fumar maconha. Quando estava em casa, passava o dia
dormindo. Era um viciado, mas levava uma vida relativamente normal. Esse é o
grande perigo da maconha. Há sete meses comecei um tratamento clínico contra a
dependência. Desde então, nunca mais fumei. Hoje, tenho dificuldade de me
concentrar na leitura. Não consigo ler mais de três, quatro páginas. Sinto
saudade da sensação que causa a maconha, claro. Mas não quero mais que ela
domine a minha vida.", Álvaro Zunckeller, 32 anos, cineasta (Foto: Alexandre
Schneider)
Apenas 10% dos pacientes internados em clínicas de recuperação de dependentes
foram parar ali para tentar se livrar do vício da maconha. Ainda assim, muitos
dos usuários da droga nessas clínicas foram diagnosticados com esquizofrenia,
bipolaridade, depressão aguda ou ansiedade – sendo o vício de maconha apenas um
componente do quadro psicótico e não seu determinante.
Risco mais alto de desenvolver esquizofrenia ou depressão
Até pouco tempo atrás vigorou a tese de que a maconha só deflagra transtornos
mentais em pessoas com histórico familiar dessas doenças. Essa noção benigna da
maconha foi sepultada, entre outros trabalhos, por uma pesquisa feita pelo
Instituto de Saúde Pública da Suécia. Um grupo de 50.000 voluntários foi
avaliado durante 35 anos. Eles consumiram maconha na adolescência.
Os suecos demonstraram que o risco de um usuário de maconha sem antecedentes
genéticos vir a desenvolver esquizofrenia ou depressão é muito mais alto do que
o da população em geral. Entre os usuários de maconha pesquisados, surgiram 3,5
mais casos de esquizofrenia do que na média da população.
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No que se refere à depressão, o número
de casos clínicos foi o dobro. Os sinais de perigo da fumaça estão surgindo em
toda parte. “O bombardeio repetido da maconha sobre o cérebro cria uma marca
neuronal indelével”, diz Ana Cristina Fraia, psicóloga da Clínica Maia Prime, em
São Paulo, especializada no tratamento de dependência química.
Interfere nas sinapses, levando ao comprometimento das funções cerebrais.
A razão básica pela qual a maconha agride com agudeza o cérebro tem raízes na
evolução da espécie humana. Nem o álcool, nem a nicotina do tabaco; nem a
cocaína, a heroína ou o crack; nenhuma outra droga encontra tantos receptores
prontos para interagir com ela no cérebro como a cannabis.
Ela imita a ação de compostos naturalmente fabricados pelo organismo, os
endocanabinoides. Essas substâncias são imprescindíveis na comunicação entre os
neurônios, as sinapses. A maconha interfere caoticamente nas sinapses, levando
ao comprometimento das funções cerebrais.
O mais assustador, dada a fama de inofensiva da maconha, é o fato de que,
interrompido seu uso,
o dano às sinapses permanece muito mais tempo – em muitos
casos para sempre, sobretudo quando o consumo crônico começa na adolescência. Em
contraste, os efeitos diretos do álcool e da cocaína sobre o cérebro se dissipam
poucos dias depois de interrompido o consumo.
EFEITO CONTRÁRIO -- Dezessete Estados americanos autorizam o uso da maconha
fumada para fins terapêuticos, mas as receitas médicas já são contrabandeadas
(Foto: Justin Sullivan / Getty Image)
Com 224 milhões de usuários em todo o mundo, a maconha é a droga ilícita
universalmente mais popular. E seu uso vem crescendo – em 2007, a turma do
cigarro de seda tinha metade desse tamanho. Cerca de 60% são adolescentes.
Quanto mais precoce for o consumo, maior é o risco de comprometimento cerebral.
Dos 12 aos 23 anos, o cérebro está em pleno desenvolvimento. Em um processo
conhecido como poda neural, o organismo faz uma triagem das conexões que devem
ser eliminadas e das que devem ser mantidas para o resto da vida. A ação da
maconha nessa fase de reformulação cerebral é caótica. Sinapses que deveriam se
fortalecer tornam-se débeis. As que deveriam desaparecer ganham força.
Os efeitos psicoativos da maconha são conhecidos desde o ano 2000 antes de
Cristo. Seu princípio psicoativo mais atuante é o tetraidrocanabinol (THC). Um
outro componente da droga, o canabidiol, é o principal responsável pelos seus
efeitos potencialmente terapêuticos.
No câmpus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, o psiquiatra José
Alexandre Crippa estuda o efeito do canabidiol no tratamento da fobia social.
Trinta e seis voluntários, metade deles composta de fóbicos, ingeriram cápsulas
da substância e, em seguida, tiveram de falar em público.
BIPOLARIDADE DEFLAGRADA -- "Comprar e consumir maconha é a coisa mais fácil do
mundo. A droga é extremamente barata e ninguém faz cara feia quando percebe que
você está fumando. As pessoas estão acostumadas. Fumei dos 14 aos 20 anos.
Até
começar a fumar, eu era ótima aluna - fui alfabetizada em inglês e ainda falava
francês e espanhol com fluência. Meu raciocínio era rápido e eu era responsável
em casa. Por causa da droga, passei a ter falhas sérias de memória. Um dia minha
mãe descobriu que eu fumava e me levou ao médico. Lá, fui diagnosticada com
transtorno bipolar, deflagrado pelo uso da maconha. Estou há quatro anos limpa.
Não foi fácil. Tive duas recaídas. Mas estou aqui. Pronta para recomeçar.",
Milena Gertner, 24 anos, fotógrafa, com a mãe, Sulamita Kramarski (Foto:
Alexandre Schneider)
Os níveis de ansiedade apresentados pelos portadores do transtorno equivaleram
aos registrados pelos participantes sem a fobia.
Todos os estudos sérios sobre
os potenciais usos médicos da maconha mediram os efeitos de uma única
substância, selecionada e isolada em laboratório – e não da inalação da fumaça
de um cigarro. Diz Crippa: “Os defensores do uso medicinal do cigarro da maconha
querem mesmo é obter a liberação da droga”.
Nos EUA, venda de receitas
Nos Estados Unidos floresce uma indústria de falsificação de receitas depois da
legalização da erva para o tratamento do glaucoma e no controle da náusea de
pacientes submetidos a quimioterapia. Para a alegria dos viciados, médicos
inescrupulosos prescrevem a droga por preços que variam de 100 a 500 dólares.
Em nenhum país a maconha é completamente liberada. Um dos mais notoriamente
tolerantes é a Holanda, que permite o consumo da erva nos coffee shops, mas,
ainda assim, os proprietários só estão autorizados a vender 5 gramas, o
equivalente a um cigarro, para cada cliente.
Recentemente, o governo holandês proibiu a venda da droga para estrangeiros. Nem
sempre foi assim. Na década de 70, quando a Holanda descriminalizou a maconha e
se tornou uma espécie de Disney libertária, fumava-se em praça pública. A festa
acabou cedo. Desde então, o tráfico só aumentou. A experiência holandesa – e o
recuo das autoridades – derruba um dos mais rígidos pilares da defesa pela
liberação: o de que a venda autorizada poria fim ao tráfico. Não pôs.
MARCHAR PODE; FUMAR, NÃO -- No início
do ano, o STF autorizou as manifestações a favor da liberação da maconha em nome
da liberdade de expressão (Foto: Sérgio Carvalho / Folhapress)
No Brasil, desde 2006, com a lei antidrogas aprovada pelo Congresso e sancionada
pelo então presidente Lula, foi estabelecida uma distinção na punição de
traficantes e usuários. Os bandidos estão sujeitos a até quinze anos de prisão.
O consumidor não vai para a cadeia. Nesse caso, o juiz decide por uma
advertência verbal, pela prestação de serviços comunitários ou recomenda um
tratamento médico.
A lei brasileira não contempla o volume máximo da droga a ser classificado como
uso pessoal. Luana Piovani e Isabel Filardis são algumas das celebridades que
defendem a tese de que a maioria dos presos com maconha “nunca cometeu outros
delitos, não tem relação com o crime organizado e portava pequenas quantidades
da droga no ato da detenção”.
Do ponto de vista social, elas estão corretíssimas. Do ponto de vista da saúde e
da aplicação das leis, nem tanto. O advogado criminalista Pedro Lazarini faz
restrições: “Um bandido pode se valer desses limites para nunca ser condenado”.
O ideal seria que as evidências científicas incontestáveis sobre os ruinosos
efeitos da maconha para a saúde sejam levadas em conta. Todos ganham com isso.
“ATUALMENTE, ‘PEGA MAL’ SER CONTRA A LIBERAÇÃO DA MACONHA”
PELA CONDENAÇÃO DA DROGA -- O
psiquiatra Valentin Gentil Filho: "Se fosse para escolher uma única droga a ser
banida, seria a maconha" (Foto: Claudio Gatti)
Aos 66 anos, o paulistano Valentim Gentil Filho é um dos mais renomados
psiquiatras do país. Com doutorado em psicofarmacologia clínica pela
Universidade de Londres, ocupou o cargo de presidente do conselho diretor do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas durante doze anos – sem nunca
ter abandonado a prática clínica.
Tamanha experiência o levou a defender a condenação da maconha. “Trata-se da
única droga a interferir nas funções cerebrais de forma a causar psicoses
irreversíveis”, disse a VEJA. “Se fosse para escolher uma única droga a ser
banida, seria a maconha.”
Nos últimos dois anos, a ideia da descriminalização para o usuário da maconha
ganhou força no país. Recentemente, um grupo de juristas apresentou a proposta
no Senado com o objetivo de a medida ser adotada na reforma do Código Penal. O
que o senhor acha disso?
O tráfico deve adorar isso. Em hipótese alguma dá para liberar geral. Estamos
falando de substâncias altamente tóxicas. Um dos argumentos pró-maconha é que a
legalização reduziria o consumo da droga. As pesquisas mostram, no entanto, que,
quando o consumo é referendado e a droga é considerada segura, o adolescente
experimenta mais. A história de que os jovens se sentem estimulados a usar
drogas por serem proibidas se aplica apenas a uma minoria.
Há muitos médicos, inclusive da sua especialidade, que não pensam como o senhor.
Não é simpático expressar uma opinião contrária à cultura da “anticaretice” que
impera no país em relação à maconha. Atualmente, “pega mal” ser contra a
liberação da maconha. Até mesmo entre os médicos. O fato de a maconha não ser
tão agressiva como outras drogas quando usada nas primeiras vezes contribui para
isso. Mas ou esses médicos estão muito desinformados ou eles têm acesso a fontes
científicas bem diferentes das minhas. Se fosse obrigado a escolher uma única
droga a ser banida, seria a maconha, sem sombra de dúvida.
De que forma a maconha seria mais prejudicial do que as outras drogas?
Drogas como heroína, cocaína e crack são devastadoras porque podem matar a curto
ou curtíssimo prazo. Além disso, é difícil se livrar dessas substâncias pelo
alto grau de dependência que apresentam.
Os danos que elas causam ao cérebro, porém, cessam quando deixam de ser usadas.
Ou seja, passado o período de abstinência, as funções do organismo se
restabelecem.
Com a maconha a história é outra. É a única droga a interferir nas funções
cerebrais de forma a causar psicoses definitivas, mesmo quando seu uso é
interrompido.
Qualquer usuário está suscetível a tais danos?
Sim, mas em graus diferentes, a depender da frequência de consumo e da
tolerância do organismo do usuário. É uma roleta-russa. O consumidor esporádico,
aquele que fuma às vezes, está sujeito a sofrer estados psicóticos transitórios,
como alucinação e paranoia, ataques de pânico e ansiedade. O efeito permanente
nas conexões nervosas se dá no uso crônico. Aí, sim, absolutamente todos sofrem
algum prejuízo.
O astrônomo americano Carl Sagan (1934-1996) foi usuário da maconha e um
defensor ferrenho da droga. Ainda assim, deixou o legado de uma carreira
brilhante. Ele teria sido uma exceção?
Sagan foi um gênio, e sou fã dele. Mas penso que, se não tivesse usado tanta
maconha, ele teria sido um profissional ainda mais brilhante e mais responsável.
Sagan tinha algumas ideias estapafúrdias para um astrônomo.
Por exemplo: ele se tornou um dos líderes do Seti (Search for Extra-Terrestrial
Intelligence – Busca por Inteligência Extraterrestre), que investiu centenas de
milhões de dólares na busca de sinais alienígenas ou provas de alguma
civilização extraterrestre. Repito aqui: não há exceções para os danos causados
pela maconha.
É possível identificar os adolescentes mais propensos a usar a droga?
Há entre eles um traço de personalidade conhecido como “busca de novidade” (novelty
seeking) ou “busca de sensações” (sensation seeking). Pessoas com esse perfil se
expõem mais a riscos, têm menor controle sobre suas emoções, são mais impulsivas
e têm maior probabilidade de se tornarem dependentes da maconha. No extremo
oposto, alguns jovens introvertidos e ansiosos também ficam vulneráveis,
dependendo do ambiente. Famílias estruturadas ajudam, e a presença dos pais
monitorando o comportamento é uma proteção importante, mas não é garantia contra
o uso.
Qual é a sua opinião sobre o uso medicinal da maconha?
Acredito em benefícios de determinadas substâncias extraídas da planta que dá
origem à maconha, a Cannabis. Isso é diferente de preconizar o uso terapêutico
da maconha fumada, que tem muitos compostos nocivos ao organismo, além da fumaça
quente retida no pulmão, com potencial cancerígeno.
Não acredito nem mesmo nas versões “purificadas” da planta, vendidas em alguns
estados americanos e em coffee shops europeus. Não há tecnologia capaz de
certificar que um baseado tenha apenas substâncias não tóxicas da planta. Aliás,
a venda nesses lugares é uma bagunça.
O filho de um amigo conseguiu comprar maconha medicinal na Califórnia porque no
mesmo lugar onde comprou a droga comprou também a receita médica. Uma coisa tem
de ficar clara: a agência de saúde oficial americana (FDA) não valida o consumo
da maconha ou de outros preparados da Cannabis para fins medicinais. Alguns
estados liberam por meio de seus governos.
O senhor já fumou maconha?
Nunca. E jamais tive vontade.
Seus filhos já fumaram?
Não que eu saiba.
Veja, 31 de outubro, 2012, pág. 92-99.
<http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/maconha-faz-mal-sim-quem-afirma-e-a-medicina/>
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