A MACONHA E
SEUS PROBLEMAS
Em meio a debate sobre legalização,
cresce o número de dependentes de maconha
Usuários
da erva representaram 10% dos atendimentos no Centro Mineiro de Toxicomania em
2012 e 2013, índice maior que há 4 anos. Para instituição, debate sobre o
tema provoca busca por ajuda. Associação médica sugere que há droga mais potente
em circulação.
Flávia Ayer
Pedro Ferreira
Publicação: 02/02/2014 06:00 Atualização: 02/02/2014 07:33
Enquanto avança o debate sobre a legalização, cresce o número de dependentes da
erva que precisam ser tratados em instituições especializadas em Belo Horizonte.
Somente hoje, cerca de 1,3 milhão de brasileiros devem acender um cigarro de
maconha. Considerada mais leve em relação a outras drogas ilícitas, a erva ganha
popularidade e apoio, a ponto de um juiz do Distrito Federal ter considerado sua
proibição inconstitucional em decisão divulgada na semana passada, mas já
modificada em instância superior. Um balanço do Centro Mineiro de Toxicomania (CMT),
porém, lança alerta sobre os riscos do vício em maconha
para uma parte dos usuários. Segundo dados do CMT, principal centro de
atendimento a dependentes de álcool e outras substâncias do estado, o
percentual de pessoas tratadas no centro por causa de efeitos negativos da erva
saltou de 6,7% do total de pacientes, há quatro anos, para a casa dos 10% em
2012 e 2013 – álcool e crack lideram o ranking.
Debate sobre legalização da maconha divide opiniões
Para a instituição, o crescimento do percentual de pessoas que recorreram a
tratamento para abandonar a maconha está relacionado ao debate mais intenso em
torno da legalização, o que deixaria usuários mais confortáveis para buscar
ajuda. “O ambiente do debate permite uma circulação de informações e opiniões
que antes estavam caladas. Permite que o assunto seja discutido além da questão
policial e, assim, as pessoas se sentem mais à vontade para pedir ajuda”,
considera o coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa do CMT, Gustavo Cetlin.
Em 2012 e 2013, 189 pessoas procuraram a instituição para
tentar abandonar o vício. Em 2010, havia 63 dependentes tentando parar de
fumar maconha.
Para alguns especialistas e pacientes, a circulação de uma maconha mais forte,
por vezes misturada com outras substâncias, como o crack, também pode estar
contribuindo para o fenômeno. “Antes, a erva era mais natural, mas agora perdeu
o sabor por causa da química.” Quem compara é o carpinteiro Samuel da Silva
Mariano, de 46 anos. Ele frequenta a Casa Azul, local de acolhimento de usuários
de drogas no Bairro Novo Cachoeirinha, na Região Noroeste de Belo Horizonte.
Samuel conta que experimentou maconha ainda criança e
nunca mais conseguiu largá-la. “Parti para a
cocaína, crack, LSD e outras drogas.
Consegui me livrar de todas depois, mas não consigo sair da maconha”,
afirma.
Samuel faz tratamento para largar o vício: 'A erva perdeu o sabor por causa da
química'
No caso do administrador de empresas E., de 28, a luta é para se manter longe da
erva. Com apoio da família, ele começou o tratamento há um ano para abandonar o
vício, que mantinha desde os 13. Nos últimos anos, ele fumava três cigarros por
dia. “Sempre falei que maconha era tranquilo, mas não
é. É pesada, te congela no tempo. O que tento agora é achar a
realidade, sair da estaca zero”, descreve. O passado não lhe traz orgulho.
Foi reprovado duas vezes no colégio, levou 10 anos para
concluir a graduação e manteve por muito tempo um relacionamento conflituoso com
a família. “A maconha acabou influenciando muito nisso. E acabei
experimentando LSD. Tive síndrome do pânico e depressão”, conta E.
Dependência
O psiquiatra Valdir Ribeiro Campos, da Comissão de Controle do Tabagismo,
Alcoolismo e Uso de Outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais, sugere
que a procura por tratamento pode estar associada a um maior grau de
dependência. “A maconha da década de 1960 não pode ser comparada à de hoje, que
tem níveis mais altos de tetrahidrocanabinol (THC). O poder de vício é maior”,
afirma o médico, que tem registrado aumento do número de jovens que procuram
tratamento em seu consultório, a maioria usuários de maconha. Ele cita o estudo
“Abuso e dependência da maconha”, da Associação Brasileira de Psiquiatria e da
Sociedade Brasileira de Cardiologia, que apontou que a concentração do THC em
amostras de maconha está 30% maior do que há 20 anos.
Entre ativistas que defendem a legalização, a possibilidade de que parte da
maconha vendida irregularmente esteja mais forte, o que contribuiria para busca
maior por tratamento, reforça a necessidade de regulamentação. “O mercado ilegal
é que entrega produtos não controlados. Com a legalização, o estado poderia
criar uma agência reguladora garantindo a distribuição de produtos
certificados”, defende Thiago Vieira, do Movimento pela Legalização da Maconha (MLM),
que integra também a Rede Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas
(Renca). Para Gustavo Cetlin, do CMT, na hora de tratar a dependência, é mais
importante entender cada usuário do que discutir a potência da droga. “É preciso
entender o contexto em que a droga é usada”, diz. O especialista afirma que há
usuários de maconha que conseguem manter mais laços afetivos com família e
trabalho. “As outras drogas trazem mais isolamento social”, afirma.
Vaivém na justiça
Um juiz do Distrito Federal absolveu um homem flagrado com 51 trouxas de
maconha no estômago ao entrar no Complexo Penitenciário da Papuda. O magistrado
Frederico Ernesto Cardoso Maciel considerou que a droga é “recreativa”, julgou
incompleta a portaria do Ministério da Saúde que inclui o tetrahidrocanabinol
(THC), princípio ativo da droga, entre as substâncias entorpecentes e avaliou a
proibição como “fruto de uma cultura atrasada”. O Tribunal de Justiça do
Distrito Federal reverteu a decisão na quinta-feira. Há duas semanas, o
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse considerar a droga não mais
perigosa que o álcool ou o tabaco.
A erva no Brasil
7%, dos brasileiros adultos já experimentaram maconha (8 milhões de pessoas)
42% do total (3,4 milhões de pessoas) saram no último ano
37% do total (1,3 milhão) são
dependentes.
Fonte: Levantamento Nacional do Consumo de Álcool e Drogas (Lenad/Unifesp)