MACONHA E SAÚDE
MENTAL
Revisão Científica: Maconha e Saúde
Mental
Por admin em 11 de maio de 2012
Efeitos da maconha no cérebro.
Essa não é uma discussão política nem apaixonada sobre a proibição ou
legalização da maconha. Vamos questionar e debater apenas saúde.
Toda discussão envolvendo a maconha encontra defensores apaixonados e atacantes
ardorosos. Poucos temas são tão polêmicos e com tão poucas evidências
científicas de um lado ou do outro. Esse clima apaixonado pode levar a uma
excessiva simplificação do debate científico e por conseqüência o debate
público. Podemos ficar com a impressão ou que a maconha é uma droga muito leve e
que deveria ser liberada ou por outro lado podemos avaliar que a maconha é uma
droga extremamente perigosa e que deveria ser completamente proibida.
O objetivo de escrever essa revisão científica, dos efeitos psicoativos e
comportamentais do uso da maconha, foi melhorar a qualidade das informações dos
profissionais de saúde mental no Brasil e por conseqüência um público maior que
eventualmente possa interessar-se por esse assunto. Nosso foco foi nos efeitos
da maconha no cérebro. Evitamos o debate sobre a legalização dessa substância.
Achamos que seria útil separarmos a questão da legalidade da questão da saúde.
Como profissionais da saúde mental temos uma maior familiaridade com a
metodologia e a ciência do comportamento e achamos que poderíamos contribuir
nessa nossa área de especialização.
A lista dos autores dos textos completos relacionados a esse resumo estão no
final. Os respectivos textos estão disponíveis no site da ABP.
Como é o consumo de maconha no Brasil ?
Temos um estudo muito importante, feito pelo CEBRID, que abrangeu todas as
cidades com mais de 200 mil habitantes, num total de 107 cidades, que responde
em parte, sobre o consumo de maconha no Brasil. O uso na vida, no total, exceto
tabaco e álcool, foi de 19,4%, sendo a maconha a droga que teve maior uso
experimental com 6,9%. As comparações do uso na vida de maconha, nas cinco
regiões brasileiras foram semelhantes para três das regiões – Norte, Nordeste e
Centro-Oeste com cerca de 5%. A região Sul foi à campeã em porcentagens de uso
na vida para a maconha com 8,4% de usuários. A dependência de maconha apareceu
em 1,0% dos entrevistados, o que equivale a uma população estimada de 451.000
pessoas. A região Sul foi aquela onde apareceram as porcentagens mais
expressivas de dependentes de maconha 1,6% dos entrevistados.
Em relação a outros países o uso na vida de maconha, no Brasil (6,9%) foi
próximo aos resultados da Colômbia (5,4%) e Alemanha (4,2%), porém muito abaixo
do observado nos EUA (34,2%), Reino Unido (25,0%), Dinamarca (24,3%), Espanha
(19,8%), Chile (19,7%), Holanda (19,1%), Grécia (13,1%) e Suécia com 13,0% (Ospina,1997;
CONACE, 2001; E.M.C.D.D.A., 2001; SAMHSA, 2001).
O consumo de maconha está aumentando no Brasil ?
Temos poucas evidências sobre a evolução do uso de maconha na sociedade
brasileira. Dados do CEBRID em 10 capitais, onde foram realizados levantamentos
anteriores entre estudantes, pode-se notar que a tendência par o uso na vida
(pelo menos uma vez na vida) foi de aumentar em oito capitais, exceto em
Brasília e Salvador. Porcentagem de entrevistados relatando uso na vida de
maconha nos quatro levantamentos realizados pelo CEBRID, entre estudantes do
ensino fundamental e médio, de dez capitais brasileiras (1987, 1989, 1993, 1997
e 2004). Em média passou de 2,6 em 1987 para 6,5 % em 2004.
A comparação do uso na vida de maconha entre meninos em situação de rua cresceu
em São Paulo de 43,7% em 1987 para 73,8% em 2003.. No Rio de Janeiro também
houve crescimento de 20% em 1993 para 59,3% em 2003 e em Brasília foi de 21,9%
(1997) para 52,3% no ano de 2003 (Noto et al., 2004). Por outro lado, houve
diminuição do uso na vida em Porto Alegre passando de 29,3% em 1987 para 21,3%
em 2003. Em Fortaleza o uso se manteve estável.
Por outro lado, em relação aos indicadores epidemiológicos houve aumento das
apreensões de maconha feitas pela Polícia Federal na comparação entre os anos de
1999 e 2004 e diminuição das internações hospitalares por maconha com 2,3% das
internações por dependências, em 1988 caindo para 1,3% em 1999.
O consumo de maconha está aumentando no mundo?
A maconha é a substância ilícita mais consumida nas sociedades ocidentais. Três
questões referentes ao consumo de maconha são discutidos atualmente: o início do
consumo na adolescência; a potência das novas apresentações de canabis e o
aumento da prevalência do uso.
Segundo a UNODC – ONU, havia 161 milhões de usuários de maconha no mundo (10% a
mais em relação a 2003). Por outro lado, o consumo se mostrou estável em
tradicionais nações consumidoras, como Estados Unidos, Austrália e Canadá. O
Observatório Europeu para Toxicodependências (EMCDDA), sugere que, durante a
década de 90, o consumo de maconha aumentou consideravelmente em muitos países
europeus mas pode, agora, estar começando a estabilizar, pelo menos em alguns
países. O consumo possivelmente aumentou entre os adolescentes na maioria dos
países, cujo período formativo os tornam mais propensos às complicações crônicas
do consumo dessa substância.
Maconha: formas de uso e modificações genéticas da planta
A maconha é uma mistura de folhas e flores verdes ou secas de uma planta chamada
Cannabis sativa. Existem mais de 200 termos ou gírias para maconha, incluindo
“baseado” ou “erva” . Ela é normalmente fumada como um cigarro ou em um cachimbo
especial. Atualmente a maconha vem sendo consumida também de maneira “mesclada”,
combinada com outras drogas, como o crack e cocaína. Alguns usuários também
misturam a maconha com comida ou fazem chá de suas folhas.
O princípio ativo da maconha é o THC (delta-9-tetrahydrocannabinol). A
quantidade de THC em uma dose pode variar intensamente de acordo com a
procedência da droga e a forma como é consumida. Nos últimos 20 anos, a
sofisticação do cultivo da maconha com técnicas hidropônicas tem aumentado muito
a potência de todos os derivados da Cannabis. Nos anos 60 e 70 um cigarro comum
de maconha continha cerca de 0,5 a 1% de THC, atualmente um baseado feito de
skankweed ou netherweed (sub-espécies de Cannabis Sativa) pode conter cerca de
20-30%. Assim, o usuário contemporâneo de maconha na forma fumada, pode estar
exposto a doses cerca de 15 vezes mais fortes de THC que os jovens dos anos 60 e
70.
Este fato pode ser bastante relevante se considerarmos que os efeitos do THC no
cérebro variam de acordo com a dose consumida, e que grande parte dos estudos
com maconha foram realizados na década de 70, utilizando doses de 5 a 25 mg de
THC, o que torna obsoleto muito do que se acreditou sobre os riscos e
conseqüências da maconha.
A maconha no Sistema Nervoso Central
Existem dois subtipos de receptores canabinoides (CB1 e CB2) identificados até a
presente data. Novas descobertas sugerem a existência de em terceiro receptor
(“CB3”) que seria sensível a estimulação da anandamida, mas que não seria
ativado pelo THC. Sabe-se que o THC não é uma substância encontrada naturalmente
no cérebro, e a existência de um receptor canabinoide implica na existência de
uma substância endógena semelhante ao THC, que demoninou-se anandamida. O
receptor CB1 pode ser encontrado em altas concentrações no hipocampo, cortex pré
frontal, cerebelo e gânglios basais, o que estaria relacionado com os efeitos do
THC na memória e cognição. Uma vez acoplado ao seu receptor, o THC desencadeia
uma série de reações celulares, estimulando estas áreas do cérebro e provocando
as sensações que os usuários qualificam como prazerosa.
O Sistema Canabinóide Endógeno
O mecanismo de ação do delta 9-tetrahidrocanabinol (principal responsável pelos
efeitos da Cannabis sativa) e das substâncias químicas ou farmacologicamente
semelhantes a ele (denominadas canabinóides) permaneceu obscuro até o final da
década de 1980. Nesta época, um receptor específico para os canabinóides foi
identificado no cérebro de mamíferos. Nos anos seguintes, foram identificados os
ligantes endógenos para esse receptor, os endocanabinóides.
Há diversos mecanismos pelos quais se pode intervir farmacologicamente no
sistema canabinóide endógeno. Dentre eles estão os agonistas de receptores
canabinóides e os inibidores de captação ou metabolismo dos endocanabinóides.
Substâncias que atuam por estes mecanismos apresentam potencial para tratamento
de dor, depressão, transtornos de ansiedade generalizada e estresse
pós-traumático. Além disso, antagonistas de receptores canabinóides apresentam
potencial no tratamento de tabagismo, obesidade, dentre outros.
Sendo um sistema de transmissores descoberto relativamente há pouco tempo,
muitos aspectos estão por serem esclarecidos. O entendimento dos mecanismos de
ação dos canabinóides e da fisiologia deste sistema poderá aumentar a nossa
compreensão da neurobiologia de alguns transtornos neuropsiquiátricos, o que
poderá permitir o desenvolvimento de novas e mais eficazes terapias
psicofarmacológicas
Este é um dos mais recentes sistemas de neurotransmissores descobertos, ainda
havendo muitos aspectos a serem elucidados. Dentre estes se destacam: (i) os
processos enzimáticos de síntese e inativação dos canabinóides; (ii) os efeitos
dos canabinóides que parecem ser mediados por mecanismos independentes dos
receptores CB1 ou CB2; (iii) identificação de um possível receptor “CB3”. Além
disto, a maior compreensão das interações dos endocanabinóides com outros
sistemas, como opióides, dopamina, GABA e glutamato parece necessária e
oportuna.
Assim, este melhor entendimento dos mecanismos de ação dos canabinóides e da
fisiologia deste sistema, poderá aumentar a nossa compreensão da neurobiologia
de alguns transtornos neuropsiquiátricos, o que poderá permitir o
desenvolvimento de novas e mais eficazes terapias psicofarmacológicas.
Maconha e Síndrome de Abstinência
Por muitos anos acreditou-se que o uso de maconha não desenvolvia tolerância e
não levava à síndrome de dependência. Verificou-se mais tarde que em alguns
casos existia sim a tolerância, mas seus efeitos eram fracos. A partir de meados
da década de 70, evidências de desenvolvimento de uma marcante tolerância a
vários efeitos da maconha emergiram em diversos estudos com animais e,
posteriormente, em humanos. Na cessação do uso, os animais tolerantes que
tiveram o receptor canabinóide tipo 1 (CB1) bloqueados apresentaram sinais e
sintomas de abstinência, decorrentes de processos moleculares também afetados
por outras drogas. A síndrome de abstinência de maconha em humanos tem sido
descrita por sintomas que se iniciam já nas primeiras 24 horas após a cessação
do uso, apresentando-se por meio de sintomas inicialmente emocionais e depois
comportamentais. São eles: sintomas de irritabilidade,
ansiedade, agressividade,
angústia, agitação psicomotora, diminuição do apetite e
perda de peso; alterações do sono como insônia e pesadelos; cansaço; desconforto
generalizado com dores musculares, cefaléia e taquicardia e “fissura”. A gravidade da
síndrome foi maior naqueles que tinham também outros transtornos psiquiátricos e
uma freqüência grande de consumo.
Mais recentemente, com o aumento do consumo e dos problemas relacionados, dos
casos de dependência, da descrição de um sistema canabinóide endógeno e do
desenvolvimento de antagonistas canabinóides, começaram a ser desenvolvidos
estudos melhor controlados e com maior rigor metodológico. Esses novos estudos
têm evidenciado uma significativa prevalência de síndrome de abstinência entre
os usuários de maconha
Existe uma dependência da maconha ?
Nos EUA houve um aumento significativo das taxas de usuários nocivos e
dependentes entre os usuários de maconha entre os anos de 1991-1992 e 2001-2002
(30,2% e 35,6%, respectivamente). Este aumento pode estar relacionado, em parte,
ao aumento do potencial adictivo da maconha, ou seja, houve um amento de 66% no
teor de THC na amostra de maconha analisada em 2001-2002 (5,11%)
comparativamente a de 1991-1992 (3,01% de THC). Num estudo prospectivo, iniciado
em 1970, com acompanhamento por 12 anos, mostrou-se que
1 em cada 4 usuários de
maconha desenvolveram síndrome de dependência no período compreendido entre a
adolescência e a idade adulta jovem.
Já descrevemos evidências de uma Síndrome de abstinência de maconha, mas também
acumulam-se evidencias de tolerância a mesma através de estudos em animais e em
humanos. Gatley e Volkow (1998) mostraram, em animais, que a administração
crônica de canabinóide resultou no desenvolvimento de tolerância em relação aos
efeitos agudos, incluindo os efeitos motores. Em relação aos seres humanos os
sinais de aumento de tolerância são bem documentados e, regra geral, aparecem
com doses acima de 3mg/kg/dia.
Outros critérios aceitos para o diagnóstico da Síndrome de dependência da
maconha, e evidenciados em estudos populacionais, são:
• A substância é consumida com freqüência em quantidades maiores ou durante
períodos mais longos do que se pretendia (consumo maior que o pretendido);
• Existe um desejo persistente ou esforços sem sucesso para eliminar ou
controlar o uso da substância (tentativas frustradas de interrupção do uso);
• Uma grande quantidade de tempo é despendida nas atividades necessárias para
obtenção da substância, no uso e na recuperação de seus efeitos (tempo gasto com
a droga);
• Existe o abandono de importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreacionais em função do uso da substância (droga como prioridade);
• O uso da substância é continuado, apesar do conhecimento de ser um problema
persistente ou recorrente físico ou psicológico que tenha sido causado ou
exacerbado pela substância (uso da droga a despeito dos problemas por ela
causados).
Embora seja clara a evidência de uma Síndrome de Dependência de Maconha nem todo
usuário tende a desenvolvê-la. Ainda que haja extenso debate sobre a existência
de uma Síndrome de Dependência de Maconha, não se pode negar que se acumulam
inúmeras evidências da mesma.
Maconha e Adolescência
Os fatores de risco e de proteção para o uso, abuso e dependência de maconha na
adolescência são elementos fundamentais para a elaboração de ações preventivas.
O uso de álcool, cigarro de tabaco e outras drogas psicotrópicas, a delinqüência
e problemas escolares são fatores de risco, enquanto a crença religiosa e certas
características da família são fatores de proteção. Quanto mais precoce o uso,
maior o comprometimento do adolescente. A avaliação inicial ideal deve utilizar
um sistema multi-axial e ser aplicada por profissional habilitado na área de
avaliação e tratamento de crianças e adolescentes, em função das peculiaridades
psiquiátricas e emocionais que ocorrem nessa etapa do ciclo vital.
A maconha atrapalha o desenvolvimento do adolescente?
Adolescência é um importante período de transição para idade adulta. O uso
constante de maconha neste período pode interferir no desempenho escolar, no
relacionamento com os amigos, vida sexual, na escolha da profissão e no estilo
de vida que o jovem adota. Alguns estudos vem demonstrando que há uma ligação
entre o uso de maconha e precoce transição, e muitas vezes atrapalhada, para o
papel de adulto no que se refere a sair da casa dos pais, iniciar da vida sexual
e gravidez. Em um estudo de 2003 que comparou adolescentes usuários pesados de
maconha (mais de 18.000 vezes na vida) com grupo de usuários leves (menos de 50
vezes na vida) encontrou evidências de que os usuários pesados apresentavam
conhecimentos adquiridos, nível de formação e salários inferiores ao dos
usuários leves. Em outro estudo recente mostrou-se que o uso precoce de maconha
aumenta as chances de adolescentes adotarem um estilo de vida não-convencional,
ou seja, se desengajarem de papéis convencionais como completar educação formal,
arrumar emprego, participar de práticas religiosas e esportivas. Assim, as
indicações mostram que o uso de maconha na adolescência afeta, adversamente, o
desenvolvimento do adolescente.
Vale a pena ressaltar que quando o uso da maconha ocorre na adolescência,
principalmente antes dos 17 anos, os prejuízos por ela ocasionados são
dose-relacionados, ou seja, quanto maior a dose maiores os efeitos e problemas.
Quando o uso passa a ser regular percebe-se que ela é uma droga, que causa
dependência, podendo levar à escalada de experimentação de outras drogas, além
de favorecer o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos na adolescência e
fase adulta. O uso de maconha por adolescente tem impactos psicológicos,
biológicos, sociais e legais que levam ao comprometimento do desenvolvimento do
futuro adulto.
O uso de maconha aumento o risco de transtornos mentais ?
O uso de cannabis está associado a maiores riscos de transtornos pelo uso de
outras substâncias e está associado a diferentes comorbidades psiquiátricas na
população geral. As associações mais importantes entre o uso de cannabis e
problemas de saúde mental aparecem quando há uma combinação de fatores
individuais constitucionais e efeitos da droga. Há uma associação consistente
entre o uso de cannabis e primeiro surto psicótico em indivíduos mais jovens. O
uso de cannabis aumenta o risco de incidência de esquizofrenia em indivíduos com
e sem outras fatores predisponentes e leva a um pior prognóstico para aqueles
indivíduos com clara vulnerabilidade para um transtorno psicótico. Há poucas
evidências de associação entre uso infrequente de cannabis e diagnóstico de
depressão. Uso pesado de cannabis e depressão parecem associados, sendo sugestivo
de que uso pesado pode aumentar sintomas depressivos em alguns usuários.
Maconha e Depressão
A associação entre maconha e depressão tem sido demonstrada em diversos estudos
transversais, mas ainda não há um consenso se existe uma relação de causa e
efeito entre estes elementos. Evidências sugerem que usuários de maconha sem
sintomas depressivos apresentam um risco aumentado de apresentá-los no futuro,
ao contrário de estudos com indivíduos deprimidos que não apresentam risco
aumentado de consumo de maconha. Estudos com gêmeos sugerem que, ao menos em
parte, a comorbidade seja explicada por vulnerabilidade genética comum para os
dois transtornos. Portanto, a maconha seria um fator de risco para o
desenvolvimento de sintomas depressivos.
Existe uma relação entre Maconha e Esquizofrenia?
Vários estudos examinaram a relação entre o uso de maconha e a esquizofrenia a
partir de evidências recentes provindas de estudos clínicos e epidemiológicos.
Estudos clínicos monitorando portadores de esquizofrenia demonstram uma relação
entre o consumo de maconha e a exacerbação dos sintomas psicóticos, pior
resposta à medicação antipsicótica, e um pior curso clínico da doença (mais
hospitalizações, mais recaídas e pior aderência ao tratamento). Quatro grandes
estudos prospectivos em três
países acharam uma associação entre o consumo de maconha e o risco de
desenvolver esquizofrenia ou sintomas psicóticos. Esta associação é mais intensa
em sujeitos que utilizaram maconha antes dos 15 anos de idade e com história de
sintomas psicóticos. Em conjunto, os achados sugerem que a maconha pode
precipitar um quadro de esquizofrenia em indivíduos
vulneráveis e exacerbar quadros psicóticos em portadores de esquizofrenia.
USO DE MACONHA E ANSIEDADE
O relato de ansiedade constitui o sintoma adverso mais comum após o uso agudo da
maconha e sintomas ou transtornos de ansiedade co-ocorrem muito freqüentemente
em usuários da droga. Paradoxalmente indivíduos relatam a redução de ansiedade
como motivação para o uso da maconha. Estas constatações conflitantes poderiam
ser explicadas pela observação de que os efeitos do principal constituinte ativo
da cannabis (Δ9-THC) sobre a ansiedade parecem ser dose-dependentes, com
baixas doses demonstrando propriedades ansiolíticas e doses mais altas sendo
ansiogênicas. Além disto, os outros canabinóides presentes na planta influem em
sua atividade e um deles, o canabidiol apresenta propriedades ansiolíticas.
TDAH e Maconha
O TDAH é o mais comum dos transtornos emocionais, cognitivos e do comportamento
tratados na infância. Sua prevalência é significativa: atinge de 4% a 12% das
crianças em idade escolar e até 5% dos adultos. E está relacionado a uma elevada
taxa de comorbidade psiquiátrica, principalmente transtorno desafiador
opositivo, transtorno de conduta, transtornos do humor e de ansiedade, e
tabagismo e abuso de substâncias. O custo social do TDAH não tratado ao longo da
vida é considerável, e inclui baixo aproveitamento acadêmico, problemas de
conduta, subemprego, acidentes automobilísticos, problemas de relacionamento.
A presença de TDAH dobra o risco para o desenvolvimento de abuso/dependência de
substâncias ao longo da vida, e ambos os transtornos influenciam-se mutuamente,
o que traz implicações para o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento de ambos
os transtorno. A maconha é a droga ilícita com maior freqüência de abuso entre
portadores de TDAH. Adultos jovens portadores de TDAH relatam um efeito calmante
proporcionado pela maconha, reduzindo sua inquietação interna. Este efeito
reforça a hipótese da automedicação dos sintomas de TDAH como um fator de risco
para o desenvolvimento de abuso/dependência de drogas.
Intervenções farmacológicas e cognitivo-comportamentais ora em uso constituem um
tratamento efetivo para o TDAH e dependência da maconha e ajudam os pacientes a
superarem os obstáculos em direção a um funcionamento normal.
Maconha e Dirigir Automóveis
Pelas evidências apresentadas até agora na literatura, não há unanimidade sobre
a real contribuição da maconha, quando consumida sem associação com álcool e
outras drogas, no aumento do risco de causar acidentes de trânsito.
Sabe-se que
a associação do consumo de maconha e acidentes de trânsito é freqüente e que as
propriedades farmacológicas dessa substância dificultam habilidades básicas para
dirigir-se com segurança. Os estudos também parecem apontar que pessoas com um
consumo freqüente de maconha têm uma probabilidade maior de causar acidentes.
No entanto, ainda persistem algumas dificuldades metodológicas. Por exemplo, a
utilização de critérios discutíveis sobre a presença recente da droga, o
freqüente consumo pelos sujeitos da maconha juntamente com álcool e outras
drogas (difícil separar o que é o efeito de cada substância), a falta de
inclusão nas análises de fatores confundidores que poderiam explicar as
associações encontradas. Essa metodologia é relativamente recente, no que diz
respeito ao uso de maconha, e é provável que estudos futuros possam encontrar
melhores caminhos.
O que fica claro é que a relação do consumo de maconha com direção não é simples
e certamente não pode ser descartada. Como um exemplo dessa complexa relação,
estudos recentes investigaram preditores do comportamento de dirigir
arriscadamente (dirigir muito rápido pelo prazer, expor-se a riscos na direção
por diversão, etc.) em um estudo longitudinal com adolescentes e jovens adultos.
Entre as variáveis explicativas desses comportamentos estavam certas
características de personalidade e a dependência de maconha.
Estudos com terapias psicológicas e usuários de maconha
As evidências mostram que as intervenções breves funcionam: além dos estudos
específicos com maconha, a literatura mostra que tratamentos breves são tão
eficazes quanto os mais longos com dependentes de álcool e outras drogas. Porém,
vale termos em mente que tratamento breve é com tempo limitado (indicam para
tratamentos de 6 e 9 sessões como mais efetivos que 1 ou 2 sessões) e que a
duração do tratamento deve ser proporcional aos objetivos deste (se o objetivo é
sensibilizar, uma sessão pode ser suficiente). Se a terapia é breve, ela deve
ser administrada individualmente. Mais um fator que vai a favor da terapia
individual é o fato de que com pacientes jovens, a influência grupal pode ser
nociva e ao se tratar de usuários de maconha, geralmente falamos de jovens.
Quanto ao conteúdo da terapia, a literatura é extensa no que se refere à
comprovada eficácia de abordagens como a Entrevista Motivacional e Prevenção de
Recaida, além da importância comprovada do aspecto “dar informação” sobre as
drogas para os usuários das mesmas, que geralmente chegam com idéias distorcidas
sobre os efeitos reais da droga, sejam eles positivos ou nocivos. A literatura
mostra que, quanto mais especifico é o tratamento para determinada população,
mais altos os índices de sucesso. Daí se justificar uma intervenção específica
para usuários de maconha. Seria interessante investir em formar profissionais de
base (enfermeiros, por exemplo) que disseminassem este tipo de trabalho e
iniciassem um processo de sensibilização em pessoas com problemas de abuso de
substâncias. Esse seria o primeiro passo para a indicação de profissionais
especializados, tendo em vista que uma das maiores dificuldades de engajamento e
efetividade de tratamentos para dependência seja a falta de motivação. Um último
fator interessante é que os usuários de maconha têm uma tendência maior a
diminuir o consumo do que parar completamente. Por um lado, comprova-se o fato
de que, em estudos de efetividade de tratamento para uso de substâncias, a
abstinência não deve ser o único critério de sucesso.
Terapia Farmacológica
Percebe-se que a evidência científica disponível atualmente não é sólida o
bastante a fim de permitir a indicação de uma medicação efetiva capaz de atuar
nos principais objetivos já citados para o tratamento medicamentoso de usuários
de canábis. A pesquisa clínica da farmacoterapia para dependência de maconha
permanece ainda na “sua infância”. Algum potencial de utilidade parece existir
entre os antidepressivos e os medicamentos ansiolíticos no tratamento da
dependência desta droga. Porém, mais estudos controlados são necessários antes
que qualquer conclusão ou recomendação possa ser feita. Agentes que visem os
receptores canabinóides também podem mostrar-se úteis, mas novamente não foram
explorados suficientemente.
Embora poucos estudos do tratamento para o abuso e a dependência de maconha
tenham sido finalizados, os relatos iniciais sinalizam alguns tratamentos que
podem ser promissores e demonstram a necessidade do desenvolvimento de mais
pesquisas e busca de intervenções efetivas.
Maconha e Funções Cognitivas
A cognição se refere a habilidade de pensar. Os processos cognitivos incluem
desde a percepção visual, auditiva e tátil de todos os elementos que nos cercam,
à atenção sustentada a determinada tarefa, à memória, julgamento, capacidade de
resolver problemas e funções executivas (estabelecimento de objetivos,
capacidade de planejamento, iniciativa, controle dos impulsos, monitoramento,
avaliação de riscos, consequências do comportamento e flexibilidade mental).
Os problemas cognitivos são muito comuns nos indivíduos acometidos por lesões
neurológicas, quer seja por trauma, doença vascular, infecciosa, dependendo da
localização e da gravidade da lesão. De forma semelhante,
a exposição do cérebro
a agentes químicos neurotóxicos, como a maconha, também afeta o funcionamento
cognitivo dos indivíduos.
O uso da maconha é muito difundido no Brasil e no mundo. Entretanto, pouco se
sabe sobre as conseqüências deste problema em longo prazo. Embora os estudos
mais antigos tenham sido inconclusivos, as pesquisas mais recentes têm
demonstrado alterações no funcionamento cerebral e neuropsicológico dos usuários
crônicos de maconha, mais especificamente em atenção, memória, aprendizagem,
funções executivas, tomada de decisões, funcionamento intelectual e funções
psicomotoras, mesmo após um mês de abstinência.
Problemas no funcionamento neuropsicológico, especialmente das funções
executivas, mediadas pelas regiões pré-frontais do cérebro, podem influenciar
negativamente na motivação para o tratamento e aderência ao programa de
recuperação, aumentando as chances de recaída. Apesar dos avanços alcançados,
são necessárias mais pesquisas em neuropsicologia, que possam auxiliar na melhor
compreensão das conseqüências deletérias do uso crônico da cannabis e suas
repercussões no tratamento.
Maconha e efeitos na gravidez
Apesar do pequeno número de estudos que avaliam o efeito do consumo de maconha
pela gestante no comportamento de seus filhos, de maneira geral, os
recém-nascidos apresentam tremores e startles com maior freqüência, além de
menor capacidade de habituação e orientação aos estímulos externos e alterações
no padrão de sono. No entanto, esses achados não são uniformes e há controvérsia
no que se refere ao uso de maconha pela gestante e os possíveis efeitos
neurocomportamentais imediatos. Em prazos mais dilatados, os poucos estudos
publicados têm mostrado resultados mais consistentes no que se refere a
alterações sutis no desempenho de tarefas que dependem de funções corticais
superiores, em crianças de até dez anos expostas intra-útero à maconha,
indicando um possível sítio cerebral de ação específico da droga durante o
período de crescimento e organização da arquitetura cerebral, na vida fetal.
Até o presente momento, os dados demonstram uma associação, mais do que uma
relação de causa-efeito, entre o uso de drogas na gestação e a morbidade
perinatal, devendo-se continuar as pesquisas, controlando-se as variáveis de
confusão, tais como consumo de várias drogas de forma concomitante, para poder
conhecer melhor os efeitos do uso da maconha na gestante, na evolução da
gravidez e no concepto.
Genética e uso de maconha
Os estudos genético-epidemiológicos têm demonstrado que quadros de uso nocivo e
de dependência à maconha apresentam um componente genético no seu
desenvolvimento. Entretanto, algumas questões ainda precisam ser esclarecidas,
tais como: se a vulnerabilidade genética é específica à maconha ou se é geral
para às drogas de abuso como um todo; ou ainda se existe um componente genético
específico que possa também estar associado (como fator de risco) para o
aparecimento ou piora do prognóstico em outros transtornos psiquiátricos.
Os estudos genético-moleculares começaram a ser realizados, com o objetivo de
melhor compreender a participação dos genes nesses processos. Porém, tais
estudos são recentes e ainda em pequeno número, não dispondo de dados
conclusivos até o momento. Com o enorme progresso na área da biologia molecular,
a expectativa é de identificar os genes de vulnerabilidade para o abuso de
maconha em um futuro próximo.
<http://www.abpcomunidade.org.br/site/?p=279>
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