DIREITOS FUNDAMENTAIS EM TEMPO DE PANDEMIA


Direitos fundamentais frente à pandemia do coronavírus

O presente artigo traz uma abordagem sobre os possíveis conflitos dos direitos fundamentais em meio a pandemia do Coronavírus.

Por Alessandro Anilton Maia Nonato
Direito Civil | 13/jan/2021

A pandemia do COVI-19 tem imposto a todo o planeta desafios para seu enfrentamento nos sistemas de saúde mundiais, bem como, aos limites dos direitos e das liberdades constitucionalmente garantidos aos cidadãos no mundo democrático.

Diversos países em todo o globo impuseram severas restrições às pessoas físicas e jurídicas, com único o objetivo de frear o avanço da Covid-19. Foram adotadas medidas rígidas como o fechamento de fronteiras, a proibição de aglomerações públicas, restrições para o comércio, adoção de home office e até a aplicação de multas ou abertura de investigação criminal e de processo contra pessoas que transitam nas ruas descumprindo as normas, tendo em vista que a principal forma de transmissão do vírus é através de aglomerações, onde há intenso contato físico entre as pessoas, mantendo-se apenas os serviços públicos e atividades essenciais para a sociedade.

No Brasil, não foi diferente, as autoridades adotaram diversas medidas que têm amparo na Constituição Federal e são, extremamente, necessárias para o enfrentamento da pandemia.

Em fevereiro, por exemplo, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 13.979/2020, que “dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.

A referida lei permitiu o isolamento de pessoas contaminadas, a restrição de atividades e separação de pessoas suspeitas de contaminação (quarentena), além da realização compulsória de exames médicos e outras providências. Uma portaria interministerial (Ministério da Justiça e Ministério da Saúde) previu também que aquele quem não se sujeitar às medidas poderia responder pelos crimes de infração e de desobediência de medida sanitária preventiva.

Outra ação adotada foi a aprovação pelo Congresso Nacional do estado de calamidade pública, autorizando gastos extraordinários para conter o avanço da doença. Essas ações e normas excepcionais e adequadas à ordem constitucional vigente.

Elas definiram os próprios limites e sua transitoriedade, aplicando-se apenas e tão somente aos casos ou ao período excepcional relacionado ao novo vírus. A mencionada lei 13.979 condiciona as imposições a evidências científicas e garante aos infectados o direito de serem informados sobre seu estado de saúde, de terem assistência familiar, tratamento gratuito e pleno respeito à dignidade e às suas liberdades fundamentais.

Não podemos, portanto, esquecer que os Direitos Fundamentais são aqueles considerados inerentes ao homem e que efetivam o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tais direitos possuem um papel central. Devem ser observados, respeitados, aplicados e efetivados pelos três Poderes da República.

Ademais, tais direitos são cláusulas pétreas, isto é, não são passíveis de extinção ou redução, ainda que por Emendas Constitucionais.

Todavia, sabe-se que, embora fundamentais, tais direitos não são permanentemente absolutos. Dessa forma, diante de determinadas circunstâncias, os Direitos Fundamentais podem ser mitigados sem, contudo, violar a Constituição Federal.

A própria Carta Magna traz, em seu texto, algumas hipóteses de limitações a tais direitos, a exemplo do inciso XLVII do artigo 5º que autoriza a pena de morte em caso de guerra declarada. Também é fácil perceber a frequente colisão entre alguns desses direitos, como é o caso do direito à liberdade de expressão, de um lado, e o direito à privacidade, de outro.

Mas o que realmente legitima, então, tal mitigação? Trata-se do chamado juízo de ponderação. Isso implica dizer que, havendo colisão entre dois ou mais direitos fundamentais, deve-se analisar o caso concreto, cabendo ao julgador realizar o sopesamento dos direitos fundamentais e determinar qual deverá prevalecer naquela situação.

Ante o exposto, demonstra-se que, diante da atual situação de pandemia, determinadas restrições e limitações impostas pelo Poder Público encontram legitimação diante da colisão entre o direito à vida e outros direitos fundamentais, pois buscam um fim maior.

A princípio, o direito de locomoção é garantido no art. 5º, XV, que prevê: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Porém, nenhum direito é absoluto.

A própria Constituição da República prevê situações em que ele pode ser limitado, como: (I) prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de Juiz; (II) prisão civil, administrativa ou especial para fins de deportação, nos casos cabíveis na legislação específica; (III) durante vigência de estado de sítio, para determinar a permanência da população em determinada localidade, única situação na qual há permissão expressa de restrição generalizada deste direito.

Em função da pandemia, foram editadas algumas normas infraconstitucionais prevendo severas restrições ao direito de locomoção. E o descumprimento de tais medidas pode levar à prisão do infrator pelo crime do art. 268 do Código Penal, que pune criminalmente a conduta de “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, pelo que se nota a gravidade na restrição do direito de ir e vir.

Ainda que não decretado estado de sítio, única situação que, conforme a própria CF, há autorização expressa para restrição generalizada da liberdade de locomoção, o direito de ir e vir, deve conviver com outros princípios da Constituição da República e não pode ser considerado absoluto. É o caso do direito à saúde.

Com efeito, o art. 196 prevê que o direito à saúde tem duas dimensões: (I) como direito subjetivo de todos (“direito a uma prestação no sentido estrito”, segundo expressão de Robert Alexy) e (II) como dever do Estado de desenvolver uma política pública, abrangendo regramentos, organização pessoal e previsão orçamentária específica.

Nesse diapasão, a lei 13.949, ao prever as medidas de isolamento e quarentena, traz medidas para salvaguarda do direito à saúde de cada indivíduo (saúde como direito individual) e medidas preventivas operacionais para que Poder Público exercer sua obrigação de tutela da saúde pública (saúde como dever do Estado). São ambas expressões do art. 196 da Constituição da República.

Em uma situação difícil como está em que vivemos, que envolve o conflito aparente entre os princípios da liberdade de locomoção/privacidade e direito à saúde, o Supremo Tribunal Federal tem aplicado a regra da proporcionalidade para solução do impasse. Paradigmático, nesse sentido, foi o julgamento do “Caso Ellwanger”, em que o Ministro Gilmar Mendes explica no seu voto que: “[...] o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos” (HC 82.424, j. 17.09.03).

A regra de proporcionalidade prescreve que um princípio deve ceder diante de outro desde que atenda aos seguintes requisitos: (I) adequação; (II) necessidade; e (III) proporcionalidade em sentido estrito.

Portanto, no primeiro momento, devemos nos questionar se as medidas de isolamento e quarentena são adequadas para fomentar o objetivo sanitário perseguido, isto é, a contenção da pandemia de Coronavírus, a despeito de restringirem a liberdade de locomoção.

Considerando os estudos médicos, orientações da Organização Mundial da Saúde e exemplo de diversos outros países, a diminuição do contato entre pessoas é a providência mais adequada atualmente para enfrentamento da pandemia. Com efeito, a transmissão da doença covid-19 se dá pela transmissão, pelo ar, de secreções ou saliva.

Além disso, a transmissão também se dá pelo contato com superfícies contendo saliva ou secreções e posterior colocação das mãos à boca, olhos e nariz.

Nessa situação, a medida de isolamento e quarentena, por afastar pessoas, reduzir seus fluxos em espaços públicos e prevenir aglomerações, são medidas adequadas para o combate à pandemia. Superada a adequação, devemos nos questionar se as medidas são necessárias para seu objetivo.

Trata-se de um teste comparativo: existiriam alternativas menos invasivas ao direito de locomoção que possuam igual eficiência no combate à pandemia? Caso existam, elas devem ser adotadas no lugar do isolamento e quarentena. Contudo, sabemos de antemão que não existem outras medidas, como, por exemplo, vacinas ou EPIs simples, baratos e altamente seguros.

Assim, por ora, as medidas de isolamento e quarentena são necessárias para atingir o objetivo de proteção à saúde e a segurança da sociedade, para tal foi adotado pelos governos Estaduais para monitoramento dos índices de isolamento social e definição da estratégia de prevenção e combate à pandemia do coronavírus o sistema de monitoramento por gps dos celulares.

Diante da pandemia e do perigo iminente à toda a sociedade com riscos de pane nos sistemas de saúde, os municípios, os estados e o governo federal têm utilizado os dados fornecidos por operadoras de celular para calcular as taxas de isolamento social. O uso dessas tecnologias traz à tona a discussão sobre o que deve prevalecer, se a segurança coletiva ou o direito à privacidade dos cidadãos.

O direito à privacidade liga-se diretamente ao direito da personalidade da pessoa humana. É um direito constitucional que deve ser protegido, tamanha sua importância. A Constituição Federal traz, em seu artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

O Código Civil, em seu artigo 21, diz que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. No caso das operadoras, que estão sendo utilizadas antenas que vão contabilizando o número de linhas telefônicas em um determinado espaço.

Elas servem para que se tenha a informação se está havendo ou não movimentações de pessoas e com isso atigingiria também a privacidade de cada um desses indivíduos. Por fim, constatadas a adequação e necessidade, devemos questionar se as medidas atendem ao requisito da proporcionalidade em sentido estrito. A última etapa serve para evitar exageros, pois podemos nos deparar com medidas adequadas e necessárias, mas que causem uma restrição em outros direitos fundamentais, o que tornaria o objetivo perseguido injustificado.

Não é o caso de tais medidas sanitárias utilizadas no combate ao coronavírus, pois elas não suspenderam atividades essenciais, possuem, efetivamente, tempo de duração delimitado no tempo, estão sujeitas a controle jurisdicional regular e revisão periódica das próprias autoridades sanitárias. Note-se que o §1º, do art. 3º, da lei 13.979/20 disciplina que “as medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”.

As medidas, portanto, atendem ao requisito da proporcionalidade em sentido estrito. O Supremo Tribunal Federal, por enquanto, foi chamado a decidir, em sessão realizada no dia 15.04.20, sobre aspectos da competência para editar regulamentos desta natureza (ADIs 6341, 6343 e ADO 56), quando reconheceu a autonomia dos municípios e governos estaduais para decretarem medidas sanitárias de contenção à epidemia.

Contudo, deve em breve ser chamado a decidir sobre o limite das restrições à liberdade de locomoção e da privacidade, em especial diante de um cenário de crise de saúde.

Vale relembrar que no passado, a Suprema Corte já foi demandada a se posicionar sobre situações similares, como por exemplo a remoção de pacientes afetados pela peste bubônica para hospital próprio, no início do século XX, em decisão proferida no HC 2.642, j. 09.12.08.

Além disso, também remonta-se que a Suprema Corte já se manifestou favoravelmente à proteção da saúde pública em diversos julgados em que direitos fundamentais supostamente conflitavam, como por exemplo as garantias de liberdade profissional, o direito de propriedade e o direito de posse.

De toda forma, ao analisarmos hoje as medidas restritivas ao direito à locomoção da lei 13.979/20, bem como as medidas adotadas que atingem o direito de privacidade, sob o enfoque constitucional da tutela do direito à saúde, podemos assim concluir que elas devem prevalecer, neste caso, sob a liberdade de ir e vir dos cidadãos e bem como a sua privacidade, pois tem como propósito salvaguardar um bem maior, que é a proteção da saúde de toda a coletividade, empregando-se assim o juízo de ponderação.

Não existindo, portanto, neste caso, qualquer colisão entre direitos fundamentais, nem tão pouco prejuízo a sociedade, pois no caso da Pandemia do CoronaVírus, tal sopesamento tem como finalidade primor, a proteção de um bem maior para a coletividade, o qual é a Higidez da saúde pública, sendo portanto legal, constitucional e plenamente correta e justa o seu emprego.
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