DEUS E O DIABO DO DNA

por John C. Avise*
 

A última encarnação do criacionismo religioso é a teoria do design inteligente. Segundo seus propositores, as belezas da vida e o bom funcionamento de nosso organismo são provas de que fomos criados por uma divindade inteligente e amorosa. Contudo, desde os tempos de Darwin, nós sabemos que um processo inconsciente – a seleção natural – também é capaz de produzir sistemas biologicamente evoluídos e que funcionam bem. Então, tanto a teoria da seleção natural quanto a do design inteligente são consistentes com o aparecimento de um organismo biologicamente perfeito. O problema começa quando surgem as imperfeições. Se eu lhe disser que um processo evolutivo – arbitrário e inconsciente – permite, vez ou outra, que certas falhas apareçam, provavelmente você irá concordar, certo? Mas a coisa fica mais complicada se alguém argumentar que esses absurdos biológicos acontecem porque Deus, o onipotente, tem falhas como todos nós. Se isso fosse possível, teríamos de fazer uma pequena alteração em um ditado popular: “Errar é divino, mas perdoar a Deus é humano”.

Filósofos e teólogos já tentaram, diversas vezes, explicar como, apesar de perfeito, Deus criou um mundo cheio de males e imperfeições. A teoria da justiça divina é a mais antiga dessas tentativas. Ou seja, imperfeições aparecem porque essa é a maneira que Deus encontrou para fazer justiça. Por que, por exemplo, as pessoas devem sofrer com diabetes, ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais, articulações ruins, ataques de apendicite ou dentes do siso? Será que esses problemas acontecem porque os humanos pecaram no Jardim do Éden, como muitos cristãos acreditam? Ou eles (os problemas), deram um jeito de subverter a perfeição que Deus inscreveu nos nossos genes? Afinal, o genoma humano é ou não é a demonstração última da perfeição de Deus?

Até recentemente, os cientistas não tinham conseguido responder a essas questões. As ferramentas disponíveis para espiar o genoma eram simplesmente inadequadas. Mas agora, graças às descobertas das tecnologias genéticas, nós temos uma resposta: o genoma humano é absolutamente cheio de falhas estruturais e impropriedades funcionais. Ele empilha legiões de mutações, resíduos grotescos e becos sem saída; tem um design absurdo, uma construção malfeita e inúmeras outras evidências que indicam, no mínimo, uma fabricação incrivelmente ruim. Será que Deus (ou, talvez, o Diabo) é diretamente responsável por esse estado bioquímico ridículo?

Não necessariamente. A inspeção detalhada do genoma humano mostra, em todo lugar, rastros de forças evolutivas inconscientes, muito mais do que pistas de um design inteligente feito por Deus. Nesse caso, essa deveria ser uma nova fonte de preocupação para os filósofos, para os teólogos e o resto de nós? Não, absolutamente o contrário: no que concerne às imperfeições biológicas, a ciência evolutiva pode livrar a religião das amarras da teoria da justiça divina. Não é mais necessário blasfemar contra uma divindade onipotente, culpando-a por nossas fragilidades e falhas genéticas. Em vez disso, nós podemos colocar toda a culpa nos ombros de processos evolutivos inconscientes. Dessa maneira, a ciência pode ajudar a religião a retornar ao seu reino legítimo – não como intérprete das minúcias de nossa existência física, mas como uma conselheira respeitável em grandes questões filosóficas que sempre tiveram importância suprema para a humanidade.

Como autor, sabe o que eu espero que os leitores absorvam do meu livro Inside the Human Genome? Primeiro, que eles aprendam um bocado sobre a estrutura e a operação do incrível genoma humano. Mas, em linhas mais gerais, espero que eles vejam que as ciências genéticas e evolutivas podem e devem ser vistas como parceiras filosóficas – mais do que inimigas inerentes – da teologia e da religião.

JOHN C. AVISE*, Phd em genética e autor do livro inside the human genome: a case for non-intelligent design

 

Essas características que encontramos dos seres vivos mostram que não foram feito por um ser onisciente e perfeito, mas foram mesmo o resultado de adaptações biológicas. Se a religião insiste em que tudo foi criado por esse imaginário ser perfeito justo e bom, é impossível a ciência ser parceira da religião. 

 

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