"Burrice
Luis Fernando Veríssimo
"Que mulher é mais inteligente do que
homem ninguém discute. Bom, talvez alguns homens, mas só para provar como são
menos inteligentes. Tem um fato, no entanto, que parece desmentir essa
superioridade feminina. Não sei se as estatísticas confirmam, mas é evidente que
existem muito mais novos fumantes entre as mulheres do que entre os homens. E
quem começa a fumar, hoje, só pode ser burro.
No número total de fumantes no mundo, imagino que os homens ainda batam as
mulheres. Mas é muito mais comum ver-se meninas adolescentes fumando do que
meninos. Talvez esta desproporção já existisse e as meninas fumassem mais, mas
escondidas.
Hoje fumam abertamente, em toda parte, e sem parar. E como são adolescentes,
pertencem à primeira geração de fumantes que não pode ter nenhuma dúvida sobre o
mal que o cigarro faz. Outras gerações de adolescentes
começavam a fumar para imitar os adultos, para se sentirem adultos, para serem
sofisticados e porque, pelo menos depois dos primeiros acessos de tosse, era
bom, e pouco ligavam à alegação careta e não provada de que podia encurtar suas
vidas. Hoje, que cigarro mata é não apenas uma certeza mas uma certeza
universalmente difundida e conhecida. E mesmo assim as meninas começam a
fumar.
Velhos fumantes não podem ser chamados de burros. Quando
se tornou insofismável que fumar dava câncer e matava de outras maneiras
terríveis, já estavam fisgados. Só podemos (nós que, sem sermos gênios,
adivinhamos desde cedo que aspirar fumaça não podia fazer bem) ser solidários
com a sua luta contra o vício, ou com a sua resignação.
Mas quem começa a fumar sabendo tudo o que sabe, desculpe: é burro. No
caso, burra. Para não enveredarmos pela hipótese de que se trata de uma geração
suicida."
(Luis Fernando Verissimo, O Globo, 10 de
junho, 2004)
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