O MUNDO MELHOROU, MAS ESTAMOS COM TRÊS DÉCADAS DE QUEDA  - 06/11/2003 -


(Este artigo foi publicado na Usina de Letras, com o endereço http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=26731&cat=Artigos&vinda=S,  em 06/11/2003, mas recentemente verifiquei que ele desapareceu de lá. Agora republiquei o que ficou arquivado no meu computador)

 

Lendo “A propaganda enganosa dos verdes”, de JORGE FIGUEIREDO, encontrei vários dados que não conhecia; mas era o que eu já pensava também. Todavia, considerando apenas as últimas décadas, acho que as condições de vida pioraram bastante.

 

Se analisarmos em termos de séculos, o mundo melhorou em todos os sentidos.  Até as guerras e os terremotos, que os religiosos dizem que são sinais do fim do mundo, hoje ocorrem menos do que no passado.

 

Entretanto, se pensarmos em décadas, as últimas têm tido um resultado nada animador, segundo estive verificando hoje em minhas anotações.

 

Em 1985, o aluguel da casa onde eu estava custava aproximadamente 20% de um salário mínimo. Hoje, o que se alugaria com esse valor? Quarenta e oito reais não pagaria o aluguel de nenhum barracão de favela.

 

Em 1986, eu estava trabalhando em um escritório, ganhando dois salários mínimos. Como não tinha vale-transporte, eu gastava aproximadamente 20% do salário com passagens, mas ainda sobrava dinheiro para pôr na poupança. Se hoje eu estivesse no mesmo emprego, ganhando os mesmos dois salários e residindo no mesmo lugar, as passagens equivaleriam a um pouco mais de 30% da minha remuneração, e o aluguel deveria consumir aproximadamente a metade desse montante remuneratório, sobrando mais ou menos 20% para eu sobreviver. Como hoje haveria o vale-transporte, que cobre o que ultrapassa 6% do salário, sobrariam mais 24%, tendo eu que comer, vestir, etc. com 44% de dois salários mínimo, isto é 88% do salário mínimo.

 

Outro exemplo: Em outubro de 1986, mediante concurso público, ingressei-me no Tribunal de Contas do Estado, ganhando oito salários mínimos, quatro vezes o que ganhava no início do ano. Foi o maior progresso profissional dentro de um ano. Uma colega que também começou no mesmo dia no Tribunal, saíra de uma secretaria Estadual, onde ganhava também aproximadamente dois salários mínimos. O incrível é que ela estava no penúltimo ano da faculdade de letras na PUC, pagando seus estudos e sobrevivendo com essa pequena remuneração. No ano seguinte, com oito salários mínimos, disse que já estava tendo dificuldade e, se não estivesse terminando o curso, poderia ficar difícil continuar o estudo.

 

Se fosse hoje, essa pessoa continuasse com remuneração de dois salários mínimos, ainda que não precisasse gastar um centavo com mais nada, precisaria de uma enorme ajuda para completar o pagamento da mensalidade da Faculdade. Algumas escolas primárias já estão cobrando uma mensalidade equivalente a esse dois mínimos. E, quando instituído, o salário mínimo cobria as necessidades básicas de uma família de 4 pessoas. Vemos que aí piorou demais também.

 

Se hoje eu recebesse dois salários mínimos, eles seriam mais ou menos suficientes para pagar o condomínio da minha residência, a conta de luz e a de telefone.

 

Se eu não tivesse tido um grande progresso profissional, hoje eu teria que viver em um pequeno barraco de periferia, minha filha teria que estar estudando em uma escola pública dessas em que atualmente, segundo reportagem do Fantástico, noventa por cento dos alunos saem da primeira série sem saber ler e escrever, e o futuro dela estaria bastante comprometido. Há vinte anos a vida estaria muito mais viável.

 

Eu fiz meu curso de Direito na Universidade Federal, na década de 1990, gastando somente com livros e cadernos. Se fosse estudar em uma faculdade particular, minhas condições financeiras já estariam ficando insuficientes. Hoje, se pessoas da classe média baixa já não conseguem pagar uma faculdade, e quase só os que podem pagar cursinhos têm chance de chegar a uma universidade pública, da classe média para baixo fazer faculdade não é nem sonho, mas pesadelo. Economicamente, não podemos dizer que alguma coisa esteja melhorando.

 

Com essas comparações, podemos notar o seguinte:

 

A vida de hoje, em muitos aspectos, está melhor do que no início do século XX, que era  melhor do que nos séculos anteriores. Mas, se pensarmos de 1980 para cá, a não ser para os poucos ricos, que hoje continuam enriquecendo mais e desfrutando grandes avanços científicos, a vida, que já tinha piorado bastante durante a ditadura, piorou ainda um pouco mais.

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