"A mulher não pode se libertar sob nenhuma
religião, nem cristianismo, nem judaísmo, nem islamismo, porque
as mulheres são inferiores em todas as religiões."
Mas ela se enganou em sua
expectativa. Quem derruba os ditadores quer estabelecer outra
ditadura diferente, mas que também não defende mulheres.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Mulher é inferior em todas as religiões, diz feminista egípcia
"Não temos medo de perder nada porque não temos nada"
por G. Higueiras, do El País
A principal feminista árabe tem 79 anos e foi a primeira a
denunciar a castração das mulheres. Suas críticas ásperas às
leis e à interpretação do islã, que institucionalizam o
patriarcado repressivo que impede as mulheres de cresceram, a
levaram a perder todos os seus cargos na saúde pública egípcia,
à prisão e depois ao exílio. Hoje, Nawal el Saadawi (foto),
após participar das revoltas da Praça de Tahrir que acabaram com
Hosni Mubarak, se sente mais cheia de esperanças do nunca: “É o
momento da mulher egípcia”, disse.
Que significado tem a revolução de Tahrir para a mulher?
Muitíssimo. Pela primeira vez, as mulheres e os homens do Egito
foram iguais. Mulheres de todas as idades e classes estiveram na
praça, inclusive mães com crianças de colo dormiram ali.
Você foi à praça?
Evidentemente. Desde o princípio; muitos dias. Agora estarei
algumas semanas fora do Egito, mas assim que regressar voltarei
a Tahrir todas as vezes que for necessário até ganharmos.
O que concretamente espera?
Deveriam nos ter incluído no Comitê para a Reforma da
Constituição. Nomearam oito homens e nenhuma mulher. Por isso
organizamos uma marcha de um milhão de mulheres para a
terça-feira [dia 08 de março] no Cairo e confiamos no apoio das
mulheres da Espanha.
Qual é a consigna da marcha?
Que todos os comitês e instituições do novo Egito devem contar
com mulheres. Acabou isso de que sejam apenas os homens que
decidem.
Teme que depois da revolução tudo fique como antes?
Não, já conseguimos que Mubarak caia e alguns de seus homens,
mas o problema da mulher é crônico e está
enraizado no patriarcado e na religião. Por isso
pedimos uma Constituição, um código
familiar e um Estado seculares. As mulheres morreram em Tahrir como os homens e precisam nos levar em conta.
Não será contraproducente exigir tanto?
Não vamos aceitar a discriminação outra vez. Temos de nos
rebelar e lutar por nossos direitos. Não temos medo de perder
nada, porque não temos nada, exceto a nossa alma.
Por que a revolução eclodiu?
Devido à acumulação da opressão e da corrupção. O regime era tão
corrupto que se tornou insuportável.
Que papel a mulher desempenhou?
Todos, inclusive a morte. Estivemos ali desde o princípio,
dispostas a tudo e sem diferenças com os homens.
Pensava que as egípcias seriam tão ativas?
Muitos jovens vêm até a minha casa, homens e mulheres, que se
interessam por meus livros; progressistas com os quais debato
diferentes assuntos, mas ninguém acreditava que milhões de
egípcios tomariam as ruas. São mais de seis milhões os que, num
ou noutro momento, estiveram em Tahrir.
Pensa que isto é o despertar da mulher egípcia?
Sim, das mulheres e dos homens, porque não podemos separar umas
dos outros. A mulher não pode se libertar se o homem não estiver
livre e vice-versa.
Qual é a situação da mulher egípcia na atualidade?
Há muita discriminação. Ainda há poligamia e queremos aboli-la.
Além disso, o homem pode se divorciar sem que precise levar a
esposa em conta.
Acredita que a discriminação tem uma origem religiosa?
Sim. A mulher não pode se libertar sob nenhuma religião, nem
cristianismo, nem judaísmo, nem islamismo, porque as mulheres
são inferiores em todas as religiões.
Não lhe parece um argumento muito radical para o Egito?
Não. Em Tahrir encontrei muitas pessoas que compartilham dessa
ideia, inclusive a nova geração da Irmandade Muçulmana.