MINHA TORRE DE BABEL

28/07/2001

 

Aos quatorze anos de idade, quando pensava em formar uma lavoura de café, ouvi a seguinte notícia: “Nóis vomo vendê esse sítio e mudá pra Mato Grosso, pur que a nossa terra é muito fraca. Lá em Mato Grosso, tudo que a gente prantá vai dá com múinta fartura. A gente pode tê um-a vida mió. Lá ocê ganha terra”. Eu pensei: “Esse trem pode até dá certo; isso pode sê bão”.

Meu pai vendeu o sítio e partimos para o Norte de Mato Grosso. Fomos para um lugar chamado Salto do Céu, nome derivado de uma bela cachoeira. Fomos morar em um alto tão espinhoso, que parecia haver mais espinhos do que folha naquelas vegetações. Era o córrego de “Tucanguira”, nome vindo de uma formiga grande e preta do local, que tem um veneno mais forte do que o de qualquer marimbondo.

No alto de Tucanguira, nossos vizinhos eram baianos, pernambucanos, cearenses, alagoanos, paranaenses, paulistas e uma série de outros. Eu, que dizia estar “capinando” quando lavrava a terra, ouvia meus vizinhos paulistas dizerem estar carpindo, ou melhor, “carpino”. Ouvi alguém dizer: “ponharo fogo na roçada”. Alguém se referiu a mim, dizendo “o guri do sô Binidito”. Que palavras estranhas eu ouvia! “O sór vai isquentá muito hoje”, disse o meu vizinho. Eu pensei: ”Uai, que gente que fala isquisito”.

Morando um ano em tal lugar, mudamos para outro, chamado “Cachoeirinha”, depois fomos para uma fazenda entre “Cachoeirinha” e “Araputanga”. Lá, que eu já não era mais um “guri”, ou um “piá”, como dizem os gaúchos, eu tentava ter uma linguagem um pouco diferente da dos vizinhos, mas, de vez em quando, alguém estranhava meu modo de falar. Certo dia, ouvi uma mocinha dizer para a outra: “Óia, ele fala é dez” (Elas falavam “déis”). Para mim, que na infância era bastante gago, passar a falar quase um outro idioma foi bem difícil. Em 1977, mudamos para Rondônia. Nesse lugar havia poucos rondonenses, mas se via gente de todas as partes do Brasil, cada um com palavras próprias e um sotaque peculiar, uma torre de babel!

Em 1981, saí da vida rural, me tornei um fotógrafo, depois também participei de uma sociedade comercial e, em 1985, vim para a região metropolitana de Belo Horizonte. Posteriormente, como funcionário público, fiz o supletivo do segundo grau (já havia feito o primeiro grau também por supletivo) e, por fim, o curso superior de Direito. Nos anos de serviço público e de faculdade, senti que os erros ortoépicos e ortográficos são tantos, mesmo entre as pessoas de nível superior, que comecei a catalogar erros e escrevi o livro PROTEJA SUA LÍNGUA.

Como um caipira a adaptar-se à vida da terceira metrópole brasileira, rememorando a linguagem, o modo de vida e as superstições com que convivia na infância, parece-me que vim da Idade Média. Havia alma penada, lobisomem, mula-sem-cabeça, um tanto de assombrações, que algumas pessoas não tinham coragem de andar à noite. Eu, porém, saía à noite e nunca via nada daquilo. Desde cedo comecei a compreender que essas personagens só existiam mesmo na imaginação do povo.

Desacreditar das crenças dos meus conterrâneos e mudar a forma de viver não foi difícil. O difícil mesmo foi a alteração da língua. Assim, passei a compreender melhor a lenda da “Torre de Babel”.

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