DISCRIMINAÇÃO INVERTIDA

Aviltante discriminação racial

- 17/07/2002 -

 

O assunto da discriminação racial aparece de quando em quando em debates, projetos de lei, etc. Entretanto, em época de eleição, é que mais surgem os candidatos protetores étnicos, com suas propostas de discriminação invertida, que traria muito mais problemas do que soluções, além de serem nitidamente inconstitucionais. Lembra-me há muitos anos um candidato que pretendia estabelecer uma cota de 50% de participação dos negros entre os modelos e outras classes, mas ao que parece, nem os próprios negros concordaram com ele. Agora, em pleno Século 21, ressurgem por aí, além da já existentes tentativas de legalização da discriminação pró-negro. Buscando opiniões, para não apresentar só a minha, encontrei o artigo do Jornalista Mauro Chaves, que considerei dispensar mais comentários; pelo que o transcrevo abaixo, colocando alguns destaques.

 

Sábado, 15 de dezembro de 2001

MAURO CHAVES

 

"O que significa a concessão de determinados direitos a um cidadão em razão de sua origem étnica? Significa, pura e simplesmente, uma discriminação racial. E não há razões históricas, "políticas compensatórias" ou culpas culturais de pretensas "raças" majoritárias (ou dominantes) que possam desfazer a profunda incompatibilidade, que existe, entre um privilégio exclusivo, concedido a uma comunidade de determinada etnia, e a noção de cidadania de um Estado Democrático de Direito. Quando as Constituições das democracias contemporâneas consagram o princípio segundo o qual "todos são iguais perante a lei" (e a nossa acrescenta: "sem distinção de qualquer natureza"), é para impedir que se faça qualquer discriminação de raça - ou de cor, ou de sexo, ou de crença - no reconhecimento dos direitos de cidadania e na distribuição de oportunidades entre os integrantes do corpo social.

Quarta-feira o presidente FHC vai anunciar a nova regra da administração pública brasileira pela qual todas as empresas que prestam serviços a órgãos federais terão de reservar 20% de suas vagas para negros - com base em prática já adotada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann.

O secretário nacional dos Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, defende a reserva de vagas nas universidades para negros, por meio de um sistema de cotas, afirmando: "Nas universidades, os descendentes de negros ultrapassam só cerca de 1% do total de alunos; isso é inaceitável." Existe o projeto de reservar aos negros 20% das vagas nos concursos públicos. E tramita na Câmara dos Deputados - já aprovado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática - um projeto de lei (do deputado Paulo Paim, PT-RS) obrigando à participação mínima de 25% de negros em programas de TV, novelas e filmes, e de 40% de negros em todos os anúncios de publicidade.

Muito bem. A primeira questão prática a ser levantada nesse conspícuo entusiasmo por uma política de fixação compulsória de "cota racial e étnica" em favor de "afrodescendentes" - para usar expressões do ilustre deputado Paulo Paim - pode-se resumir na indagação: quem é negro no Brasil? Se temos uma população miscegenada em altíssimo grau - o que pode representar a mais bem-sucedida integração racial do planeta -, como será possível saber, efetivamente, quem tem e quem não tem alguma porcentagem de "sangue africano"? Claro está que a cor da pele, a consistência do cabelo e outros traços raciais característicos, hoje em dia totalmente mutáveis (e Michael Jackson é apenas uma ilustração-limite disso), deixam na poeira do tempo aquela distinção traduzida na velha (e preconceituosa) marchinha carnavalesca O Teu Cabelo não Nega. É até difícil de imaginar qual teria sido o método científico utilizado pelo professor Paulo Sérgio Pinheiro para detectar, com precisão, o porcentual de descendentes de negros nas universidades...

Se as características físicas e as porcentagens de participação de etnia negra são hoje dificilmente detectáveis, será que a verificação oficial da origem racial do cidadão - para enquadrá-lo na "cota racial" - se daria pelo exame de sua ascendência familiar? Seria o caso de saber se seus pais, avós, bisavós e outros antepassados pertenceram à raça negra? Nesse caso, teríamos no Brasil um medonho revival das Leis de Nuremberg - inspiradas nas teorias do ideólogo racista do nazismo, Alfred Rosenberg -, que buscavam estabelecer com precisão "científica", até várias gerações, quem era e quem não era judeu.

Imagine-se, agora, que um cidadão passe num concurso para o serviço público federal, ou seja contratado para uma empresa prestadora de serviços para a administração, ou entre numa faculdade, ou participe do elenco de uma novela de televisão, graças ao fato de ser enquadrado na cota destinada aos "afrodescendentes". E se for descoberto, depois, que sua pele escura se deve ao fato de ser descendente de indianos? E se algum preterido comprovar que o candidato, que era considerado cafuzo (mestiço de negro com índio, portanto, com direito à cota), não passa de um mameluco (mestiço de branco com índio, portanto, sem direito à cota)? Tal cidadão seria demitido do serviço público, ou expulso da universidade, ou teria seu personagem antecipadamente assassinado na novela, em razão do falseamento de etnia?

E por falar em índios, por que cargas d"água os indígenas brasileiros e seus descendentes, que foram igualmente violentados em seus direitos humanos durantes séculos - afora terem perdido para os brancos e mestiços, de múltiplas nacionalidades, o imenso território nacional -, não mereceriam o mesmo tipo de "cotas"?

Quando se diz que esse tipo de "política compensatória" já é praticado há muitos anos nos EUA - sem se explicar direito em que Estados e em que circunstâncias -, faz-se uma comparação entre realidades sociais e históricas bem diversas, no campo da integração, do grau de segregação, dos conflitos e dos preconceitos raciais. E, nesse campo, os norte-americanos nem sempre nos podem dar os melhores exemplos de modus faciendi integracionista, mesmo admitindo que no Brasil também exista muito preconceito racial - assim como regional, social e de tantos outros tipos.

Por outro lado, a comparação das "cotas raciais" com as preferências estabelecidas em favor de deficientes físicos, aqui e lá (handicaps), é de uma estultícia que dispensa comentários.

Essa política de "cotas raciais" pode desqualificar a imagem, profissional e intelectual, de servidores públicos, estudantes ou artistas negros - pois estes estarão sujeitos à maledicente insinuação de que não teriam obtido sucesso sem o favorecimento compulsório. Dessa forma, em tempos de grande competitividade e disputa por postos de trabalho, as "cotas raciais" poderão representar um perigoso estímulo ao preconceito.  E, o pior é que, sob o pretexto de favorecer (materialmente) uma comunidade injustiçada, essa política lhe fere os valores maiores, do orgulho e da dignidade.

(http://www.estado.estadao.com.br/editorias/01/12/15/aberto002.html)


Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor e produtor cultural E-mail: [email protected]

Não bastassem as espúrias tentativas de acabar com o concurso, o único meio democrático - e menos sujeito às corrupções - de provar a habilidade dos aspirantes aos cargos, agora essa! Você já se imaginou desclassificado em um concurso por alguém que teve nota inferior à sua simplesmente por causa da cor da pele? Isso, sim, é desrespeito à Constituição!!!   Além disso, se daqui a uns dez anos, se você precisar de um delicadíssimo procedimento cirúrgico e deparar com um cirurgião negro, diferentemente de quem se põe hoje diante de um
Bem Carson, poderá estar pensando: Ih, ele entrou na faculdade favorecido por cota! 

 

Atualização em 2017.
Apresentamos nossa opinião, mas a coisa pegou. Hoje, não importa se você é rico ou pobre, se for branco, pode perder uma vaga para alguém cuja nota seja inferior à sua.

 

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